Cobertura Completa

Simpósio sobre Violência contra a Mulher aborda quais são os abusos e as formas de prevenção

Apesar de presente desde sempre nas discussões sociais e éticas, entre outras, o tema Violência Contra a Mulher se mantém candente e atual em vários meios. Prova: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” foi a proposta de redação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 25 de outubro – trazendo “textos motivadores” focalizando desde estatísticas sobre feminicídio e tipos de violência sofrida, ao impacto da lei Maria da Penha, cujo objetivo é aumentar o rigor das punições a crimes domésticos. 

Tal tendência foi “captada” também pelo Centro de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), que, dois dias antes da prova do Enem, em 23 de outubro, promoveu simpósio de Bioética e Violência contra a Mulher. Na ocasião, convidados nacionais e internacionais se apresentaram a um público expressivo –cerca de 140 pessoas– no auditório da sede do Conselho, trazendo à tona as várias facetas de um mesmo problema e buscando possíveis soluções. Entre elas estiveram asconferencistas Kyung Ah Park, presidente da Associação Mundial de Mulheres Médicas (sigla em inglês, MWIA) e Brígida Alvarez Sánchez, presidente honorária da Aliança Pan-americana de Médicas. 

Abertura 

Idealizado pela médica Nadir de Prates, membro do Conselho Consultivo do Centro de Bioética, o evento foi aberto oficialmente pelo presidente do Cremesp, Bráulio Luna Filho. De forma sensível, Luna Filho lamentou pelo fato de a violência envolver o sistema de saúde e atingir especialmente as mulheres. O presidente admitiu a existência de discriminação em praticamente em todas as áreas: ainda que as elas correspondam a 50% do universo de médicos atuantes em São Paulo, “apenas cinco fazem parte do corpo de 41 conselheiros de nossa entidade”, destacou. 

Um dos pontos altos das apresentações da manhã foi a conferência "Como Podemos Eliminar a Violência Familiar?" proferidapela professora Kyung Ah Park, da Universidade de Yonsei, Coreia do Sul, e presidente da MWIA, organização não governamental, fundada em 1919 e que representa as profissionais dos seis continentes. 

Na ocasião, a professora Ah Park mencionou, pela primeira vez no evento o chamado “ciclo da violência doméstica” (enfatizado durante todo o dia), que engloba as fases do abuso em si – composto por rompantes agressivos e violentos, com o objetivo de demonstrar poder e “quem é o chefe”; culpa, não por remorso, mas pelo medo do perpetrador de ser pego e sofrer consequências; pedido de “desculpas”, no qual tende a culpar a própria vítima pelo abuso; comportamento “normal” em que faz o que pode para manter o controle do relacionamento e da pessoa agredida; fantasia, quando planeja maneiras de abusar novamente; e estabelecimento, coloca seus planos em prática e volta a atacar. 

Como explicou Ah Park, conceitos de violência doméstica incluem não apenas a abuso físico e sexual, mas também emocional e econômico. Atingem não só a mulher, como a criança e o idoso. 

Estatísticas da violência 

A professora coreana trouxe ainda dados assustadores de pesquisa promovida pela MWIA, da qual participaram representantes de 32 países. 

Apenas para dar uma noção: a média de violência doméstica em países de todos os continentes chega a 33%, sendo que nos EUA e Reino Unido afeta 25% dos lares; na Colômbia e México, 44%; e na área rural de Bangladesh, 70%. O país com a maior prevalência de assassinatos de mulheres em virtude de gênero – feminicídio – é El Salvador, com taxa de 12 a cada 100,000 por ano. Na Itália, entre os anos de 2000 e 2012 foram mortas 2200 mulheres. No México registram-se, por dia, seis homicídios ao sexo feminino. 

A ONG de mulheres médicas identificou ainda que os motivos para justificar a violência variam de país para país. Enquanto entre os norte-americanos são atribuídos à crise econômica e ao desemprego; no Canadá, ao abuso que os próprios abusadores sofreram enquanto crianças; na Coréia, ao alto consumo de álcool; e na Índia, à eventual decepção em relação ao dote da esposa. 

Uma das sugestões da MWIA para diminuir tais circunstâncias refere-se ao “empoderamento” às mulheres, através da promoção e proteção aos direitos humanos de mães e meninas. “Inequidade por gênero e discriminação correspondem ao ‘coração’ da violência”, enfatizou Ah Park, conclamando os Estados a promoverem direitos a Educação, Emprego, Segurança Social, Propriedade e Participação Política, entre outros. 

Em Reflexões sobre Aspectos Psicossociais da Violência Sexuale Doméstica contra a mulher, Diana Borges de Lima, psicóloga da UNIFESP, trouxe dados históricos (curiosos e tristes) quanto à discriminação ao sexo feminino, revelando, por exemplo, que de 1750 a.C a 1700 a.C vigorava lei que permitia que a mulher repudiada pelo marido se tornasse escrava da segunda esposa dele; e/ou fosse usada como garantia de dívida: o esposo podia oferecê-la para quitar pagamento a credor. 

Mais recentemente, nos séculos XVII a XIX, pensadores ilustres tinham suas opiniões nada simpáticas em relação ao sexo oposto. Para o filósofo alemão Nietzche “os homens devem ser educados para a guerra. As mulheres, para a recreação do guerreiro”. O compatriota Immanuel Kant as considerava “pouco dotadas intelectualmente, caprichosas, indiscretas e moralmente fracas”. 

O período da manhã do Simpósio – coordenado, por Nadir Prates e Janice Caron Nazareth, do Conselho Consultivo do Centro de Bioética – contou ainda com Katia Boulos, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB de São Paulo, que, na palestra Violência contra a Mulher no Contexto Jurídico-Familiarista Contemporâneo, revelou que a maioria das ligações para o número 180 (central denúncias de violência contra mulher) refere-se a agressões físicas de parceiro próximo, mas agregam também abusos de origem patrimonial, por companheiros que, por exemplo, confiscam dinheiro e cartões de mulheres, deixando-as “à míngua”. 

Apresentou-se ainda Magali Celeghin Vaz, titular da 4ª Delegacia de Defesa da Mulher, que, em Violência Doméstica Contra a Mulher e Lei Maria da Penha apoiou seus argumentos na Lei Federal n° 11.340/2006 dispositivo legal brasileiro destinado a aumentar o rigor das punições sobre crimes domésticos. “Homem não deve ‘disciplinar’ a mulher, como muitos creem”. 

Dúvidas

A outra convidada internacional do Simpósio foi aprofessora Brígida Alvarez Sánchez, de Guadalajara, México, que proferiu no período final do Simpósio – coordenado por Max Grinberg e Reinaldo Ayer de Oliveira, do Centro de Bioética – conferência voltada à Violência contra a Mulher na América Latina, revelando que, mesmo depois de análise sobre recomendações internacionais sobre o tema e as políticas públicas em todos os níveis, permanecem dúvidas importantes. 

“Tem sido feito o suficiente e o possível para encarar tal problemática histórica, cultural e transversal?”, quis saber amexicana. E mais: “os países demonstram-se capazes de produzir informações sobre o assunto, de forma a trazer evidências e permitir tomadas de decisões?”. 

Brígida estabeleceu três pilares para a América Latina e Caribe, capazes de indicar as raízes do mal e possíveis superações. Primeiro pilar: “alta impunidade”. Solução: priorizar a aplicação da lei e reparação às vitimas sobreviventes. Segundo: “nenhuma mais”, voltado à prevenção da violência; Terceiro: “o valente não é violento”, campanha lançada em vários países, destinada a adultos e jovens do sexo masculino, estimulada, entre outras medidas, pelo Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra a Mulher, 25 de novembro. 

O Atendimento na Violência Sexual teve como palestrante Maria Ivete Castro Boulos, coordenadora do Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual do Hospital das Clínicas/FMUSP, que revelou: em nível mundial, 95% dos casos deste tipo de abuso não são notificados. “Trata-se de uma grave epidemia, silenciosa e que, na maioria das vezes, ocorre no âmbito familiar”. Nessa realidade “as vítimas são forçadas pelas convenções sociais a guardar silêncio sobre suas experiências”. 

Aos profissionais de saúde, Maria Ivete faz algumas recomendações específicas, em relação ao atendimento deste tipo de vítima, como perguntar sobre a violência sofrida, pois “pacientes não falam se não são perguntados”; estabelecer confiança; saber escutar, olhar nos olhos e sem julgamentos. 

Atendimento desrespeitoso

Vários casos de abusos e atendimentos desrespeitosos a pacientes foram trazidos por Janaína Marques de Aguiar, professora de Medicina na UNINOVE, no tema Formação Médica e a Violência Obstétrica. Em pesquisa de defesa de tese para doutorado, Janaína identificou discursos incompatíveis com a profissão médica, como o de obstetra que perguntou à paciente, durante o exame de toque, se “estava gostoso” e de outro que, quando sua atendida expressou dor, no parto, provocou: “pra fazer, não doeu”. 

Por fim, Marco de Tubino Scanavino, psiquiatra do HC, falou sobre Aspectos Psiquiátricos em Relação à Violência Sexual – apresentando dados e pesquisas a respeito de intervenções farmacológicas antes da manifestação dos transtornos, entre outros pontos –; e Lília Blima Schraiber, professora de Medicina Preventiva da FMUSP, que, na palestra Mulher e Violência, apontou perspectivas em relação aos profissionais que atuam nas áreas de atenção e prevenção. 

Figuram entre elas: combater a violência institucional, ou seja, nunca ser violento em local de trabalho; oferecer boa escuta em primeiro atendimento; evitar ao máximo a banalização das agressões relatadas e o julgamento moral; buscar decisões compartilhadas e respeitar os limites da atendida; valorizar a  atuação em conjunto com a equipe multiprofissional. 

Vale lembrar: quem não pôde comparecer terá uma segunda chance de obter o conteúdo deste evento: de acordo com Reinaldo Ayer de Oliveira, coordenador do Centro de Bioética, em breve, o simpósio será transcrito e disponibilizado em forma de livro e no site do Centro de Bioética do Cremesp. 

 


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