Diversidade sexual - Confira a Cobertura do Evento

Simpósio discute preconceito e acolhimento de população LGTBI nos ambientes de saúde

 


Janice, Danilo, Regina, Laerte e Elaine: encontro estimulou amplo debate sobre diversidades sexuais

 

A desconstrução do preconceito em relação ao transexualismo, travestismo, transgenerismo e homossexualidade nos ambientes de saúde, para garantir uma assistência adequada ao desenvolvimento de crianças e adultos, foi um dos objetivos do “Simpósio Diversidades Sexuais: do Preconceito ao Acolhimento", realizado pelo Cremesp nos dias 30 de setembro e 1º de outubro, no auditório do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), apoiador do evento.

“A autopercepção dessa condição, que não é mera opção ou decorrência de fenômenos ambientais, ocorre já na infância e, se respeitada e apoiada pelos familiares, e bem orientada por profissionais capazes, poupará sofrimentos, inclusive suicídio, muito frequente nessa população”, Janice Nazareth Caron, presidente da Comissão de Bioética do HAOC e organizadora do evento, em conjunto com Reinaldo Ayer de Oliveira, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp.

Entre os palestrantes convidados, participaram a cartunista Laerte Coutinho e a psiquiatra Carmita Abdo, fundadora e coordenadora geral do ProSex, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).  Representando o Cremesp, participaram Mauro Aranha, presidente do Conselho, e Renato Azevedo, conselheiro.

“Transexualismo” e “Transexualidade”

O segundo dia de atividades do “Simpósio Diversidades Sexuais: do Preconceito ao Acolhimento” foi marcado por palestras que abordaram o tema sob os pontos de vista ético, social, científico e jurídico, debatendo o papel dos hormônios sexuais na identidade de gênero, o acolhimento e orientação a crianças e jovens transexuais, e a adequação do nome social ao registro civil.

Em sua fala sobre a questão hormonal e a identidade de gênero, a endocrinologista Elaine Costa, chefe do Grupo de Transexualidade do HC-FMUSP ponderou que, ao nascimento, não se verificam diferenças fenotípicas em transgêneros, mas ao que tudo indica, nas estruturas cerebrais, quando comparados a cisgêneros – pessoas cujo gênero se identifica com seu sexo biológico.

Ainda hoje, o transexualismo consta da Classificação Internacional de Doenças (CID 10) com o nº 64.0, na categoria de transtornos da identidade sexual. Apesar de haver certa discordância quanto à classificação, Elaine ponderou ser o fato de ser considerada uma disforia o que fundamenta “as cirurgias para mudança de sexo via Sistema Único da Saúde (SUS)”.

O Cremesp e a inclusão

Para o psiquiatra e presidente do Cremesp, Mauro Aranha, o modelo classificador, que buscava a adaptação do homem ao que culturalmente dele se esperava, falhou. “A Bioética impõe ao médico o compromisso de ajudar o ser humano, inclusive, a garantir que minorias tenham voz”, destacou.

Aranha foi moderador da mesa “Transexualidade: Conceituação”, ao lado de Danilo Borelli, da Comissão de Bioética Hospitalar do HAOC. “O papel de um conselho progressista e capaz de introduzir a discussão de temas polêmicos no meio médico e na sociedade – como a ortotanásia e o uso de canabidiol por crianças com epilepsia com crises refratárias a métodos convencionais, entre outros –, também é se dedicar à inclusão de pessoas com dificuldades quanto a sua identidade de gênero, para que consigam seu desenvolvimento existencial pleno e adequação de suas condições biológicas e sociais”, ponderou Aranha.

Na infância e fase adulta

Um curioso painel histórico a respeito do tema abriu a palestra Transexualidade na Infância e Adolescência, ministrada pelo psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS/IPQ – HC-FMUSP), citando desde o papa João VII (segundo a lenda difundida na Europa, ele seria uma mulher, papisa Joana, e teria morrido durante um parto), até Lili Elbe, nascida Einar Wegener, provavelmente a primeira mulher transexual a submeter-se a uma cirurgia genital, inspirando o best-seller “A Garota Dinamarquesa”.

Aprofundando-se no enfoque “meninos e meninas transexuais”, Saadeh informou que nem todas as crianças e adolescentes com conflitos de identidade de gênero se tornarão adultos transexuais – pelo contrário: estima-se que, na fase adulta, entre 6% e 25% solicitarão mudança de sexo biológico. Em ambos os casos, a transexualidade pode ser confundida com comportamentos subjetivos e de experimentação.

“Em situações que envolvam crianças, o médico deve apenas acompanhá-las e apoiá-las, bem como, às suas famílias”, destacou Saadeh. Na pré-adolescência, após avaliação cuidadosa e multidisciplinar, a indicação pode ser bloqueio hormonal, visando evitar as características da puberdade, como surgimento de barba e, por outro lado, crescimento de mamas, capazes de causar desespero e sofrimento extremo aos pacientes.

Sobre o mesmo tema, a pediatra Leandra Steinmetz, responsável pelo grupo de anomalias da Diferenciação Sexual do Instituto da Criança da USP, considerou que, segundo estudos, o momento de interromper o bloqueio hormonal acontece por volta dos 16 anos, quando se avalia a possibilidade de emprego de hormônios do sexo oposto. Destacou, também, que o bloqueio hormonal é reversível, já a hormonioterapia é parcialmente reversível, e a cirurgia, irreversível.

Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (Pró-Sex/IPQ – HC-FMUSP) apontou que a questão da transexualidade denota certa ironia: se, por um lado, estimativas indicam que 89% dos consumidores de pornografia têm curiosidade na atuação de modelos e atores transexuais, por outro, o Brasil é o país que mais mata esta minoria LGBTI.

Abdo frisou “os riscos aumentados” de automutilação e suicídio entre a população trans. “A prevenção, por meio de diagnóstico precoce, e a cirurgia de redesignação sexual para quem sofre por sentir que seu sexo biológico difere da sua identidade de gênero evitariam muito desgaste e estigma”.

Atuação multiprofissional

A participação de profissionais de outras áreas é essencial na eliminação do preconceito e ao acolhimento a um universo fundado em complexidades. Além de médicos de várias especialidades, responsáveis pelo diagnóstico até a cirurgia de redesignação sexual, cujas técnicas exigem muita perícia e experiência para que se obtenham resultados de razoáveis a bons – como consideraram o cirurgião plástico Matheus Manica, do Hospital Oswaldo Cruz, e o urologista Francisco Tibor Dénes, do HC-FMUSP – o apoio de profissionais da Psicologia e do Direito é muito importante.

A psicoterapia empregada a pacientes transexuais “explora os aspectos psicoemocionais da história de vida do paciente em seus contextos familiar, social, profissional e religioso”, antes de partir-se para a reconstrução hormonal e cirúrgica, revelou a psicóloga Elisa Verduguez, do ambulatório de Endocrinologia e Metabologia do HC-FMUSP. Isso porque “o corpo físico e o psiquismo não são elementos independentes, mas articulados”.

Tal trajetória inclui o apoio aos familiares de pacientes transexuais, trabalho ao qual se dedica a semioticista e psicanalista Edith Modesto, que destacou “a cultura que determina o dever de sermos todos heterossexuais”, bem como os pais que enfrentam uma “fase de luto”, por causa das expectativas criadas ao longo dos cuidados com seu filho ou filha.

Já os advogados Paulo Roberto Lotti Vecchiatti, autor e coautor de livros sobre diversidade sexual e direito homoafetivo e minorias sexuais, e Tereza Rodrigues Vieira, com tese voltada ao reconhecimento do direito à adequação do sexo do transexual, ressaltaram a chamada “transfobia” pessoal e institucional, e o direito de o transexual adotar, em documentos, seu nome social.

“É preciso combater a ‘genitalização’ da pessoa. Não é possível que no século XXI tratemos de forma diferente gays, transexuais, heterossexuais, o que seja. Somos todos seres humanos”, enfatizou Paulo Roberto.

Não nasci no corpo errado, nasci na sociedade errada”, destaca cartunista Laerte.

 


Laerte (ao microfone): “Sou meio atípica, um ser raro. Tive uma percepção tardia em relação à transexualidade e nenhum conflito com o meu corpo”

 

O encerramento do Simpósio contou com exibição de parte do filme “Meu nome é Jacque”, de Angela Zoé, que narra a trajetória da ativista transexual, portadora de Aids, Jacqueline Côrtes, tendo como abordagem principal o preconceito, a homofobia e a identidade de gênero. Na sequência, um debate reuniu Regina Parizi, do Conselho Consultivo do Centro de Bioética do Cremesp e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), Elaine Costa, endocrinologista, Danilo Faleiros, psicólogo da Comissão de Bioética do Hospital Oswaldo Cruz e a cartunista Laerte Coutinho.

Durante a maior parte de sua vida, Laerte era considerado homem heterossexual. Na maturidade, chegou a se classificar como “crossdresser” (que usa roupas diferentes do sexo anatômico) e, hoje, em geral, sente-se “confortável” em se afirmar transgênero. “Sou meio atípica, um ser raro. Tive uma percepção tardia em relação à transexualidade e nenhum conflito com o meu corpo”. Buscando explicar seu modo de ser, repetiu a frase do ativista transexual João Nery. “Não nasci no corpo errado, nasci na sociedade errada”.

Fotos: Osmar Bustos/ Fonte: Assessoria de Comunicação do Cremesp


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