Justiça

Em algum momento, praticamente todas as pessoas se envolvem em disputas sobre justiça. Às vezes, nosso envolvimento está enraizado no fato de que acreditamos sermos vítimas de alguma forma de injustiça, ou, por outro lado, que somos os autores – ou pelo menos, os beneficiários – de alguma forma de injustiça que afeta outras pessoas.

Seja qual for a origem e o efeito prático, tais disputas sobre justiça são difíceis de serem evitadas, especialmente quando se trata de problemas como a distribuição de renda ou de recursos de saúde, que têm efeitos sociais generalizados.

Resoluções razoáveis em tais disputas requerem uma avaliação crítica de alternativas, com o emprego de alguma (ou algumas) das cinco grandes concepções de justiça presentes no debate filosófico no final do século XX, que são:

Concepção libertária, que toma a liberdade como o ideal político supremo;
Concepção socialista, que eleva a igualdade ao ideal político supremo;
Concepção liberal do bem-estar, que considera a justiça contratual ou a máxima utilidade como o ideal político supremo;
Concepção comunitária, que tem o bem comum como ideal político supremo;
Concepção feminista, que reputa uma sociedade sem gênero como o mais importante ideal político.
Uma vez que, segundo a Encyclopedia of Bioethics, o direito ao bem-estar e à igualdade de oportunidades é geralmente associado a uma concepção liberal de justiça, “parece razoável usar o procedimento de decisão de John Rawls”, autor de Theory of Justice, para determinar o nível de saúde necessário para atender a tais direitos.

A distribuição natural dos bens não é justa ou injusta; nem é injusto que os homens nasçam em algumas condições particulares dentro da sociedade. Estes são simplesmente fatos naturais. O que é justo ou injusto é o modo como as instituições sociais tratam destes fatos. (John Rawls, 1971).

Na verdade, as análises em Bioética e em Saúde contemporânea costumam partir do enfoque da justiça distributiva, (ou justiça como equidade) como forma de se promover a justa alocação de recursos escassos de saúde, usando a máxima de Rawls: “tratar os desiguais de forma desigual, priorizando os mais necessitados”.

Justiça distributiva

Segundo Beauchamp e Childress a expressão “justiça distributiva” se refere a uma distribuição justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que estruturam os termos da cooperação social. De acordo com tal perspectiva, uma situação de justiça estará presente sempre que alguém receber benefícios ou encargos devidos às suas propriedades ou circunstâncias particulares.

Para se garantir a justiça como equidade, Rawls propõe que dever-se-ia seguir duas etapas. A inicial exige igualdade na distribuição de deveres, liberdades e direitos básicos. Todas as pessoas devem ter os mesmos direitos e liberdades civis – direito à manifestação autonômica, liberdade de locomoção, expressão de opiniões, reclamação, associação, informação, privacidade etc.

A segunda etapa é dividida em duas partes: uma afirma que as desigualdades devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, preservando-se a igualdade equitativa de oportunidades. A outra, aceitando o princípio da diferença, que apregoa que as desigualdades de riqueza e de autoridade são justas apenas se resultarem em benefícios compensatórios para cada um, e particularmente para os membros menos favorecidos da sociedade.

Já o Relatório Belmont (elaborado por comissão constituída pelo governo americano em 1974, e que traz os princípios éticos básicos que deveriam nortear pesquisa biomédica com seres humanos) incluiu as seguintes ponderações a respeito do princípio da justiça:

"Quem deve receber os benefícios da pesquisa e os riscos que ela acarreta? Esta é uma questão de justiça, no sentido de 'distribuição justa' ou 'o que é merecido'. Uma injustiça ocorre quando um benefício que uma pessoa merece é negado sem uma boa razão, ou quando algum encargo lhe é imposto indevidamente." Relatório Belmont, 1974.

Outra maneira de conceber o Princípio da Justiça, segundo o mesmo Relatório, é que os iguais devem ser tratados igualmente. “Entretanto esta proposição necessita uma explicação. Quem é igual e quem é não igual? Quais considerações justificam afastar-se da distribuição igual? (...)”, questiona.

Referências

Encyclopedia of Bioethics 3rd edition, volume I
Beauchamp TL, Childress JF. Principles of Biomedical Ethics. 4ed. New York: OUP, 1994:189.
Orientações bioéticas de justiça distributiva aplicada às ações e aos sistemas de saúde. Paulo Antonio de Carvalho Fortes. Rev. Bioética, CFF, v. 16, n. 1
The Belmont Report: Ethical Guidelines for the Protection of Human Subjects. Washington: DHEW Publications (OS) 78-0012, 1978


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