O paciente precisa assinar termo de consentimento em todos os procedimentos nele realizados?
A questão acima surgiu da atitude de diretor clínico de hospital de exigir dos médicos que solicitem assinatura do paciente para a realização de procedimentos, com o objetivo de “elevar-se o padrão da instituição e atingir-se o nível necessário à qualificação hospitalar, além de assegurar segurança, respaldo ético e judicial aos profissionais médicos, bem como, o esclarecimento informado aos pacientes”.
Entendemos que não é possível que um diretor clínico obrigue a aplicação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) a todos (ou a determinados) procedimentos. A sugestão é que, através de uma discussão mais ampla com os vários departamentos do hospital e com a Comissão de Ética Médica, sejam definidos os procedimentos que demandariam tal documento.
Obrigatoriamente os esclarecimentos prestados e o consentimento do paciente devem constar no prontuário. Sendo assim, não nos parece necessária (nem razoável) a assinatura do paciente para todo e qualquer procedimento.
Por outro lado nada impede que o TCLE seja utilizado em determinados serviços ou departamentos médicos para a realização de exames diagnósticos invasivos, cirurgias e terapêuticas mais agressivas.
A obrigatoriedade do TCLE pode levar a uma “burocratização” da relação médico-paciente, que sendo um dos pilares do exercício da Medicina, tem como principal característica a confiança e o respeito mútuo.
De qualquer forma, as questões colocadas são bastante atuais, constituindo-se em temas freqüente nas revistas médicas especializadas e eventos da área de Bioética, direito médico e ética médica.
O consentimento informado é a expressão prática do respeito à autonomia das pessoas, e parece incrível que um direito tão elementar tenha passado a ser discutido e normatizado somente na década de 40 do século passado, em virtude de atrocidades cometidas na 2ª Guerra Mundial. A incorporação desse referencial bioético à prática médica e aos Códigos de Ética demorou mais algum tempo.
É bom que seja enfatizada a grande diferença entre “consentimento livre e esclarecido” e “termo de consentimento livre e esclarecido”. Enquanto o primeiro é atributo da boa prática médica, o segundo é um termo formal, assinado por médico e paciente, tanto em protocolo de pesquisa quanto na prática diária da Medicina, sendo obrigatório por lei em procedimentos cirúrgicos e exames invasivos em poucos países, como a Espanha.
Nos últimos anos, no Brasil, tem-se refletido sobre a necessidade e a conveniência da implantação formal do termo nos procedimentos médicos da prática diária, tanto em relação aos diagnósticos como terapêuticos.
Por aqui, a literatura especializada demonstra que há basicamente duas visões em relação ao TCLE, na prática médica assistencial. A primeira é mais jurídica, e segue uma linha conhecida como “medicina defensiva”, onde os autores defendem a importância de documento assinado pelo paciente que tem como objetivo principal constituir provas para futura defesa em uma eventual lide judicial ou ética.
Vale dizer que, ainda que seja essa a intenção, não há garantia de que o documento evite futuras demandas judiciais, nem que sua presença garanta o esclarecimento devido ao paciente.
A segunda, que é a que defendemos, apresenta uma visão filosófica e prática lastreada nos referenciais bioéticos e considera que o consentimento do paciente é um processo continuado na relação médico-paciente, visando primordialmente proteger e estimular a autodeterminação e dignidade do paciente.