05-04-2004

Papa deixa eticistas pasmos

Motivo: defendeu o direito de doentes em estado "vegetativo" serem mantidos ligados a tubos para alimentação e hidratação. "Eles continuam sendo humanos, não vegetais".

Formuladas durante uma conferência no Vaticano sobre dilemas associados ao tratamento de pacientes incapacitados, as declarações nesse sentido deixaram especialistas em Bioética e médicos norte-americanos em polvorosa. Isso porque, desde 1990 vigoram nos EUA regras específicas, que admitem a retirada das sondas alimentares nos casos de alguns pacientes em coma irreversível.

"A posição de João Paulo II contraria a forma com que a Medicina vem sendo praticada há mais de uma década nos EUA, desde que a Suprema Corte ponderou ser claro que tubos para alimentação e hidratação fazem parte do arsenal de tratamentos médicos", opinou Arthur Caplan, diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia, no site do Philadelphia News.

A controvérsia: para o Papa, alimentos fornecidos por sondas devem ser considerados como refeições como quaisquer outras – constituindo-se, portanto, em direito inalienável dos seres humanos. Ao contrário, se forem classificados como "tratamentos médicos", podem ser recusados pelos chamados DNRs (sigla em inglês para Do Not Resuscitate, isto é, pacientes que não querem ser submetidos a procedimentos "extraordinários") e/ou seus parentes.

"Eutanásia por omissão"
Na opinião dos especialistas, o Papa endereçou seu "recado" especialmente aos familiares da americana Terri Schiavo – vítima de sérios prejuízos cerebrais, centro de uma longa queda de braço entre seu marido e seus pais: o primeiro, deseja que a alimentação via sonda seja suspensa, por acreditar que era o que a moça desejava.

Os segundos conseguiram barrar a medida, contando até com o apoio incondicional do governador da Flórida, Jeb Bush, irmão de George W. Bush. Resultado: até hoje a situação continua indefinida e causando comoção intensa entre as "turmas" dos defensores e opositores à manutenção da alimentação.

Na opinião do Papa, participantes (em qualquer nível) da retirada de sondas alimentares estão, na verdade, cometendo "eutanásia por omissão".

"Talvez o Papa tenha decidido falar movido por seus próprios problemas. Ele sofre de doença de Parkinson que, eventualmente, pode prejudicar sua habilidade para comer. Então, seus próprios ensinamentos nos dão a mensagem de que desejaria ser alimentado indefinidamente via tubos" polemizou o professor Caplan.

Ele foi mais longe: "sem dúvidas, é louvável da parte do Papa nos lembrar que todas as pessoas, mesmo as inconscientes, permanecem seres humanos, merecendo compaixão e cuidados. Mas sua ponderação também quer dizer que você ou eu não temos o direito de exercer nossa liberdade e autonomia, no tocante a não participarmos de um determinado tratamento".

Na prática, quais seriam as repercussões das declarações de João Paulo II?

Nos EUA, 565 hospitais controlados pela Catholic Health Association consideram que sondas alimentares podem, às vezes, ser desligadas "por serem tratamentos médicos, que dependem da relação custo/benefício aos pacientes". Painel que deve mudar, se forem acatadas as recomendações do Pontífice.

Em tempo: é bom lembrar que o atendimento dentro de tais hospitais estende-se aos não-católicos – obrigados, de certa forma, a respeitar uma doutrina da qual não compartilham.

Fontes: Philly.com (site do jornal Philadelphia News); USA Today (veja também Pope declares feeding tubes a 'moral obligation'.

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