06-12-2002

Bioética e o Meio Ambiente: O Desafio da Poluição

O Conselho Regional de Medicina (Cremesp), por meio da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética e do Centro de Bioética, realizou, no dia 6 de dezembro, às 20 horas, o simpósio Bioética e o Meio Ambiente: o Desafio da Poluição. O evento teve espaço na Delegacia Metropolitana do Cremesp/Vila Mariana - Avenida Domingos de Moraes, 1810, Vila Mariana.

Mediada pelo Conselheiro Marco Segre, coordenador da Câmara Técnica de Bioética do Cremesp, a mesa-redonda contou com a participação de Franklin Leopoldo Silva, professor de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), que abordou o tema Considerações Éticas sobre a Relação Homem X Meio Ambiente; Luiz Antônio Dias Quitério, diretor do Departamento de Controle Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Paulo, falando sobre Bioética: Contaminação Ambiental/Exposição a Risco e Helena Ribeiro, professora associada da Faculdade de Saúde Pública da USP/Departamento de Saúde Ambiental, focalizando Políticas Públicas, Saúde e o Meio Ambiente.

Homem: inimigo de si mesmo?
Segundo Marco Segre, o desejo de focalizar os desafios da Bioética na defesa da Natureza vem desde a chamada "Rio + 10", realizada em abril de 2002 - reedição da Rio 92, conferência promovida pelas Nações Unidas sobre o Meio Ambiente.

"A Câmara Técnica de Bioética já promoveu simpósios voltados à temas como Ética e Genética, Paciente Terminal, Reprodução Assistida e Clonagem. É lógico que não poderíamos deixar de trazer à tona os dilemas bioéticos ligados às agressões do ser humano contra o meio ambiente, responsáveis por tantos problemas, como a destruição da mata atlântica e o aumento no buraco da camada de ozônio", destacou o professor. "É preciso reforçar que, agindo assim, o homem está agredindo a si mesmo".

Problema antigo
Nos séculos XVI e XVII, o ser humano se via como uma espécie de "imperador do planeta", pela possibilidade de empregar sua razão em seu próprio benefício, no domínio das demais criações da Natureza. Do ponto de vista ético, essa mentalidade distorcida gerou sentimentos de autonomia e superioridade. Sob a ótica da Bioética, o uso indiscriminado dos recursos naturais como meros "instrumentos" - óbvio - foi o responsável por sérios danos ao meio ambiente e, por conseguinte, à vida das pessoas.

Se por um lado, as gerações passadas esgotaram suas reservas de carvão natural no processo de industrialização, o homem de hoje vem se esforçando muito pouco para economizar elementos como petróleo - ou mesmo, a água. "Não houve o principal, ou seja, uma mudança de mentalidade. A distorção e a falta de equilíbrio continuam, agora agravadas pela busca de lucro certo", opinou o Franklin Leopoldo Silva, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), poucos dias antes da sua apresentação sobre as Considerações Éticas sobre a Relação Homem X Meio Ambiente. No dia-a-dia dos consultórios
Os prejuízos causados pela poluição ambiental fazem parte da rotina dos médicos em seus consultórios, "especialmente em forma de doenças pulmonares", lembrou o professor Marco Segre, ao site do Centro de Bioética do Cremesp.

Já a professora Helena Ribeiro, da USP, acrescentou a essa lista de moléstias as causadas pela falta de políticas adequadas de saneamento básico (por exemplo, doenças diarreicas e outras, de natureza infecciosa); as ocasionadas pelo excesso de ruídos (estresse); ou pelo aquecimento climático, um dos reflexos dos desmatamentos (problemas circulatórios), entre outras.

"As políticas públicas de preservação do meio ambiente vêm sendo valorizadas desde a última Constituição Federal, elaborada em 1988. O documento admite a inter-relação entre essas e as políticas de Saúde", alegrou-se Helena, ao comentar o tema, ao site do Centro de Bioética. "Não é mais mistério para ninguém que, na medida em que você diminui os riscos ambientais, melhora as condições de vida".

Para a professora, a implementação de atitudes que garantam a preservação de um meio ambiente saudável favorece a proteção dos grupos mais vulneráveis, como idosos, crianças e portadores de doenças graves, como a Aids.

O caso Shell
Outro dilema importante, dentro do assunto Saúde: é possível que contaminações ambientais de largas proporções prejudiquem por décadas a vida de dezenas de moradores de bairros urbanos, sem que eles nem mesmo percebam?

Infelizmente, este risco não fica restrito à possibilidade: a Secretaria do Meio Ambiente, da prefeitura de São Paulo, recebeu, em abril deste ano, a denúncia de que uma importante indústria da área petrolífera havia contaminado o lençol freático da Vila Carioca, no Ipiranga, São Paulo. "Desde a década de 40, a Shell armazena combustível em enormes tanques, naquela região. Esporadicamente, enterrava no solo o lodo que ficava no fundo desses compartimentos, o que levou à contaminação", explicou o engenheiro agrônomo Luiz Antônio Dias Quitério.

Em sua palestra, além de destacar particularidades a respeito desse caso, o especialista avançou para o terreno ético. Pouco tempo antes do simpósio, havia adiantado que "às vezes, os técnicos do meio ambiente aplicam metodologias para remediar as áreas, não levando em conta as famílias que habitam em cima delas. Suponhamos que o solo esteja contaminado. Não se pode simplesmente removê-lo, sem pensar no pó que gerará e no mal que causará aos habitantes".

De acordo com Quitério, em geral, não há diálogo entre os técnicos que cuidam das metodologias de avaliação dos riscos ambientais e os responsáveis pela avaliação dos riscos à Saúde. "No caso Shell, por exemplo. Em uma análise isolada, chegaríamos à conclusão de que as pessoas não poderiam sair prejudicadas, pois o bairro é abastecido pela Sabesp. Não é o que acontece: por um motivo ou por outro, há quem perfure o solo, bebendo a água de poço. Devemos pesar tudo isso".

Na prática
Importantes como são, as preocupações relativas ao meio ambiente vêm ganhado espaço dentro das pautas de elaboração de novas políticas públicas? Para Helena Ribeiro, sim. "A proteção ambiental deixou de fazer parte de um setor específico, integrando-se à maioria dos outros setores. Além disso, esse tema permeia hoje boa parte dos cursos", ponderou. De acordo com ela, mesmo algumas empresas químicas - tradicionais "inimigas" da Natureza - têm assumido seu quinhão de responsabilidade "até para salvaguardar-se de futuros prejuízos".

Franklin Leopoldo e Silva concordou que determinados grupos, como os que agregam ecologistas, desde os anos 60 vêm se empenhando em apontar as ameaças globais ao meio ambiente. Mas, na opinião dele, "estão havendo propostas, mas não respostas". As coisas se complicam, disse, quanto há a possibilidade de diminuição nos lucros. "Com relação à finitude de recursos como o petróleo, por exemplo. A ciência progrediu muito, no sentido de oferecer outras alternativas de geração de energia. As questões técnicas são solucionáveis. Difícil é fazer com que países como os EUA e Japão mudem sua mentalidade e aceitem que preservar a vida do ser humano e o meio ambiente não é mero desperdício de dinheiro", afirmou ao site do Centro de Bioética.

Alguns dos princípios estabelecidos pela Rio - 92, discutidos na Rio + 10
- O direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras

- As ações internacionais no campo do meio ambiente e do desenvolvimento devem atender os interesses e necessidades de todos os países

- Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa a responsabilidade e indenização das vítimas de poluição e outros danos ambientais

- Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental

- Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso dos instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.

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