ANAIS DO XII ENCONTRO DOS CRMs DAS REGIÕES SUL E SUDESTE
Responsabilidade Civil de Médicos, Hospitais, Clínicas e Laboratórios de Análises. Critérios na Fixação da Indenização do Dano Material e do Dano Moral
Presidente: Dr. Mário Jorge
Rosa de Noronha Conselho Regional de Medicina do
Estado do Rio de Janeiro
Palestrante: Dr. Miguel Kfouri
Neto Juiz de Direito - Curitiba/PR
Mário Jorge Rosa de Noronha,
presidente da mesa
Esse tema, a responsabilidade
civil (abordado pelo professor Miguel Kfouri Neto), é extremamente feliz
porque, de alguns anos para cá, a gente vem discutindo a responsabilidade civil
e também a fixação do dano em relação aos atos praticados.
É realmente importante pelo
seguinte: hoje, a sociedade organizada está muito atenta em relação ao que nós
fazemos. Temos aí a existência dos Procons e das ONGs. No Rio de Janeiro,
temos, por exemplo, uma associação de vítimas de erro médico, chamada
‘Vermes’, que não tem muitos critérios de avaliação, mas que, de
qualquer maneira, é uma associação muito atenta em relação ao que fazemos.
Há também a questão da cidadania, quer dizer, o médico é muito visado
porque o paciente tem bastante noção daquilo que ocorre: está sempre cobrando
mais.
O professor Miguel Kfouri Neto é
Juiz de Direito, auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça do Paraná e
titular da 12ª vara cível de Curitiba, professor da Faculdade de Direito de
Curitiba e da Escola de Magistratura do Paraná. Mestre em Direito, autor da
obra responsabilidade civil do médico 4ª edição, editora RD.
Antonio Carlos Mendes,
coordenador do evento
É com grande satisfação que
ouvimos o professor Nalini na parte introdutória desse seminário. Mostrou que,
para ser um bom juiz e um bom jurista, é necessário ter uma cultura muito mais
do que técnica: precisa ter cultura dogmática. Também nos sentimos muito
honrados em receber o professor Miguel Kfouri Neto, porque é reconhecidamente
um grande estudioso dessa matéria. Vai cumprir uma finalidade específica do
nosso projeto, que é o confronto de posições antagônicas em relação à visão
que se deve ter desse fenômeno essencialmente jurídico.
E antes de jurídico é um fenômeno
ético, já que é problema da responsabilidade no exercício profissional, no
caso específico da Medicina. Então o prof. Miguel Kfouri Neto vai tratar da
responsabilidade civil dos médicos e daqueles locais onde trabalham. Portanto,
em hospitais, clínicas e laboratórios de análises e os critérios na fixação
da indenização do dano material e dano moral.
É uma matéria que também não
pode ser vista só sob o ponto de vista dogmático, da técnica do direito, mas
numa dimensão um pouco mais abstrata e abrangente da teoria do Direito, na sua
vertente ética e na justificação filosófica desse problema, que é a
responsabilidade do médico. E, nesse sentido, o prof. Miguel Kfouri Neto tem
grande talento.
Miguel Kfouri Neto,
palestrante sobre o tema
O tema é amplo e abrangente.
Vamos falar rapidamente sobre a responsabilidade de hospital, médico e clínicas;
dar umas noções aligeiradas sobre a liquidação dos danos, em especial, dano
moral, dano material, dano estético, e também a questão do pensionamento. Vou
me deter um pouquinho mais na história do dano moral, e depois abrirei um espaço
para que discorramos, ainda que sucintamente, sobre algumas tendências atuais
na análise da responsabilidade civil do médico.
Existem algumas teorias que
chegaram ao Brasil provenientes de outros países, e que já vêm sendo
utilizadas em alguns de nossos tribunais. É o caso da perda de uma
oportunidade, que já há bastante tempo vem sendo utilizada aqui, agora com
mais ênfase. É uma teoria que migrou do seu leito natural para a
responsabilidade médica. Também as cargas probatórias dinâmicas, que se
refletem incisivamente, como na teoria da perda de uma oportunidade, na questão
do ônus da prova. E os senhores sabem que, em qualquer demanda judicial, a
questão probatória é primordial.
No caso da responsabilidade médica,
provar-se a culpa do médico, sua imperícia, imprudência, ou negligência é o
ponto central de qualquer demanda indenizatória. Tudo aquilo que se reflita
nessa repartição do ônus da prova é algo que interessa principalmente ao
demandado, mas interessa no debate proposto, no confrontar das idéias. Algo que
também vem ocorrendo no Brasil, principalmente depois de 90 e, mais
incisivamente nos últimos cinco anos, é a questão da inversão do ônus da
prova à luz do Código de Defesa do Consumidor, que pode se refletir também na
apuração da responsabilidade médica dentro desse espectro.
Vamos passar para a primeira
questão, relativa à liquidação, quando o advogado pede. Há um artigo no Código
que determina que o pedido seja determinado. Acontece que, quando se trata de
demanda indenizatória, desde o momento da sua propositura não se pode fixar o
montante, a extensão do prejuízo. Às vezes, num caso de responsabilidade médica,
entra o paciente, a vítima que está padecendo daqueles males eventualmente
decorrentes do atendimento médico. Então, nesse caso, há um parágrafo num
determinado artigo do Código, que admite que o advogado formule um pedido genérico:
ele pede indenização e diz por que a pretende.
Acontece que, como esse pedido
foi genérico, se não houver condições de se quantificar a demanda indenizatória
daquele processo, o juiz não reunirá subsídios para avaliar qual a extensão
do dano.
Vamos imaginar o caso da
necessidade de uma seqüência de cirurgias reparadoras em que, até a sentença,
ainda não havia se estabilizado a situação da vítima. Ainda havia a
necessidade de enxertos, desbridamento e cirurgias reparadoras das mais
diversas, prolongando-se após a sentença. Quanto irá custar isso? Só
apuraremos num outro processo, chamado de liquidação sentença. Trata-se também
de um processo de conhecimento, em que o juiz vai pesquisar o Direito. A vítima,
que obteve a sentença condenatória, vai dizer ‘o juiz condenou, mas não
disse quanto. Então, quero receber isso e aquilo’.
Nessa outra demanda, a citação
é feita na pessoa do advogado do médico, se o médico já foi condenado. Vai
se verificar o quantum, a extensão da indenização. Só existem duas
modalidades de liquidação de sentença, ou seja, por arbitramento ou por
artigos. Só para os senhores terem uma idéia de como é a história desse
arbitramento: no Paraná, houve um soldado da polícia que efetuou um disparo
acidental contra o solo, com uma carabina, enquanto revistava um rapaz. Estava
num trevo, na entrada de uma cidade onde vinha sendo reparado o asfalto, então
havia muitas pedras espalhadas. Era o dia do 21º aniversário do rapaz.
Coincidentemente, uma lasca de pedra, ou quem sabe o fragmento no fundo, amputou
o testículo do indivíduo.
Na demanda indenizatória, ele
alegou danos materiais consistentes no pensionamento, porque, eventualmente,
teria uma incapacidade parcial. Nos autos, ficou provado que não teve qualquer
incapacidade, até mesmo porque, no transcurso da demanda, acabou se casando e
teve filhos, sem qualquer problema. Afastou-se, então, esse reflexo material,
que seria um eventual pensionamento.
Quanto ao dano moral, além
daquelas brincadeiras pelo fato de ter perdido o testículo, ele também alegou
o problema estético, o que é meio relativo. Alguém só vai ver isso durante
uma relação mais íntima. A juíza julgou procedente a demanda indenizatória
e disse: ‘o Estado tem que indenizar, porque foi um ato culposo de um agente
do Estado, um policial’. Quanto vai custar esse testículo? Remeto
a liquidação desse dano moral por arbitramento’.
Nesse caso, o juiz já se afastou
um pouquinho daquilo que deve acontecer normalmente, porque é ele quem deve
fixar o dano moral. O arbitramento é judicial, é dele próprio, durante a
demanda, valendo-se dos subsídios que conseguiu coligir, proporcionados pelas
partes. A Lei 9099 do Juizado Especial Cível tem sobre isso um parágrafo,
artigo 38. Segundo ela, no sistema do juizado não pode haver sentença ilíquida:
ainda que a parte formule um pedido genérico, o juiz é obrigado a proferir
sentença líquida, determinando quantum.
É a quantia certa do débito e só
pode se abrir à execução quando se tem uma reunião de três elementos:
liquidez, certeza e exeqüibilidade do título. Liquidez é essa quantia
determinada; certeza é existência discutível e a exeqüibilidade vencida, o título
tem que estar vencido. E é claro o fato de alguém se recusar a pagar pressupõe
mora e, portanto, torna-se exigível aquela dívida.
Voltando ao caso da vítima do
tiro. O juiz nomeou um árbitro que iria dizer quanto seria essa indenização
pelo dano moral. Fixou-a em mais ou menos R$ 43 mil. O advogado do rapaz indicou
um assistente técnico, que era uma professora da Universidade Federal do Paraná
especialista em dano moral, que indicou R$ 203 mil. O Tribunal acabou fixando em
R$ 130 mil. Como podem ver, essa liquidação não deveria ter ocorrido: o próprio
juiz na sentença deveria ter dito de quanto seria esse dano moral.
O problema é que no nosso
direito posto, ordenamento jurídico positivo, não existem balizas legais, não
há um barema, uma tabela. Como há na França, por exemplo, onde podemos
consultar uma tabela e verificar dentro de uma gradação da gravidade do dano,
um dano moderado, ligeiro, bastante grave e, então, se estabelece um quantum.
Na nossa Constituição, há, o artigo quinto, incisos cinco e dez, o qual fixa
a irreparabilidade do dano moral, não estabelece nem a possibilidade de
qualquer regulamentação nesse sentido. Não há lei ordinária que fixe, por
exemplo, um piso e um teto.
É claro que, quanto ao dano
material, não existem grandes problemas, esse é facilmente comprovado.
Principalmente no tocante a assistência médico-hospitalar, despesas das mais
diversas, viagens ou remédios necessários à recuperação do doente. Tudo
isso é trazido aos autos, em forma de comprovantes. O juiz, então, soma
aquilo tudo e fala: ‘determino que se pague, à guisa dos danos materiais,
pelas despesas efetivamente comprovadas’. A dificuldade surge quando se trata
do dano moral e, principalmente, também do pensionamento. Estabelecer quantum
se houve mortes, a respeito do qual a jurisprudência indica 2/3 daquilo que
a vítima auferia, quando viva, pois entende que da pessoa despenderia 1/3 do
seu próprio sustento. Quanto, então, corresponderiam os 2/3 e qual seria o
montante dos salários desse pessoal?
Dificuldades para definir-se
os pensionamentos
Posso citar como exemplo também
um acidente com um barco inflável, em Foz do Iguaçu: num passeio do macuco safári,
dois barcos se chocaram. Morreram seis pessoas, dentre as quais três
portugueses, um casal e mais um engenheiro português que trabalhavam aqui em
SP, numa empresa privada de energia elétrica, sendo que um deles era o diretor
da empresa e recebia, segundo comprovação com declaração da empresa, algo ao
redor de R$ 32 mil de salário. Os pensionamentos seriam ao redor de R$ 23 mil,
os 2/3, e o advogado pediu antecipação da tutela, para que, desde o momento da
propositura da demanda, o juiz já determinasse àquela empresa do safári
pagamento do pensionamento.
O juiz deferiu, mandou antecipar essa tutela.
Houve um recurso e o tribunal
entendeu que aquela comprovação não seria hábil para, num primeiro momento
da demanda, comprovar exatamente quanto aquele cidadão ganhava. Porque só
aquela declaração unilateral, sem comprovante oficial, não seria suficiente
para que o juiz impusesse aquela obrigação do pensionamento.
E o autônomo? E o comissionado?
E aquela pessoa que, de uma maneira ou de outra, não tem como comprovar
exatamente a extensão de seus rendimentos? É preciso que juiz saia pesquisando
alguns detalhes, como os o fati definis, a escola particular, o carro, a
casa, enfim, indícios que possam levá-lo a uma conclusão sobre o montante
desses vencimentos, para efeito de fixação de pensionamento.
Ainda para facilitar a compreensão,
vejam um caso interessante ocorrido em Curitiba. Uma menina de oito anos de
idade estava com crises convulsivas, tendo sido levada pela mãe ao hospital.
Foi atendida por pediatra e por um neurologista. Prepararam-na para uma
tomografia e aplicaram-lhe Diazepan, que a deixou meio tonta. Nisso, a mãe
obedeceu ao pedido da enfermeira para que todas as visitas saíssem, pois as
crianças iriam tomar banho. Enquanto a primeira enfermeira saiu para buscar o
lençol, outra colocou a menina na água. Que estava fervendo! A paciente
demorou a sentir dor porque se encontrava insensibilizada pelo efeito do remédio
e acabou sofrendo queimaduras do terceiro grau, nos pés, nas pernas e nas nádegas.
Nesse tipo de caso, nem se
discute a responsabilidade do hospital pelo ato do seu preposto.
Como se estabelece a
responsabilidade de médico, hospital, clínica? Vou dar uma fórmula geral,
usualmente aceita, a começar pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça.
Caso que posso citar aos srs. o ministro Rui Gonzales de Aguiar Júnior, que foi
desembargador do Rio Grande do Sul. É uma fórmula lógica: se o paciente
procura o hospital e o hospital coloca à disposição do paciente o médico,
vinculam-se hospital e médico. Se houver um dano decorrente daquele atendimento
dispensado pelo médico àquele paciente, o hospital será responsável solidário.
Segundo: se o cliente procura o médico
e este o leva para o hospital para atendimento, sem nenhuma espécie de vínculo
e apenas fornecendo ao paciente os serviços de hotelaria, se não houver
intervenção de nenhuma espécie do pessoal auxiliar do estabelecimento usando
algum equipamento colocado à disposição, é o médico quem responde ao dano,
se tiver sido provocado pelo equipamento. Essa posição tem encontrado alguma
resistência.
Terceiro: se o dano é causado
por prepostos do hospital ou se o médico guarda alguma relação de preposição
com o hospital, vínculo de subordinação, há acórdãos que entendem, pela
existência dessa subordinação, que hospital e médico estão no pólo passivo
da demanda indenizatória. Os tribunais têm sido rigorosos, mesmo com aquele
corpo clínico que se submete a determinadas imposições, normas, ou espécie
de regimento interno.
A questão da clínica é meio
complicada. Por exemplo, três médicos, ginecologistas e obstetras, montam uma
clínica. Cada um tem consultório, secretária, sala de exames, instrumental,
prestando serviços a planos de saúde e, eventualmente, a hospitais, que exigem
que os recibos sejam emitidos por uma pessoa jurídica, justamente para afastar
a questão de vínculo empregatício. Quando uma paciente dessa clínica é
atendida no local ou levada pelo médico para atendimento no hospital, é
evidente que a clínica e os outros dois sócios não têm, absolutamente,
vinculação com aquele atendimento. Não há por que a pessoa jurídica
responder: cada médico deve responder individualmente por sua eventual imperícia,
imprudência ou negligência.
Denunciação da lide
Surge, então, outro problema, a
tal da denunciação da lide. A lide é subsidiária: o paciente demanda em face
do médico e em face do hospital, que se defende, dizendo que a culpa foi do médico,
pedindo ao juiz que resolva a questão. O que eu ainda não disse é que o
hospital, provada a culpa de seu preposto, seja enfermeiro, atendente, auxiliar
ou médico, pode mais tarde se voltar contra o seu preposto, ou seja,
cobrar dele aquilo que foi condenado a pagar.
Voltando ao caso da denunciação,
o paciente não tem nada a ver com a lide subsidiária que se estabelece entre o
hospital e o médico. Só quer a reparação do dano, em relação ao hospital.
Mas, muitas vezes, há decisões que entendem que a responsabilidade do médico
é subjetiva, enquanto que a do hospital é objetiva e que, portanto, não
poderia haver essa denunciação. Seria indevida e incabível, pois se
misturariam as aferições da responsabilidade. O objetivo do hospital e o
subjetivo do médico. Não daria para baralhar essas condutas, visando à apuração
da eventual responsabilidade.
Não tenham dúvidas: se ficar
provado que o médico ou algum preposto do hospital agiu culposamente, o
estabelecimento tem o direito de regressar contra esse seu preposto que agiu
culposamente. Em linhas gerais, essa é a responsabilidade. Naquele caso da
menininha, é claro que os pais dela nem mencionaram os médicos, porque estes,
a bem da verdade, não tiveram participação alguma: medicaram e estavam à
espera da tomografia. Quer dizer, quem agiu culposamente foram as enfermeiras,
que são prepostas do hospital, empregadas, têm vinculo empregatício com o
hospital.
O que nos interessa aqui é o
dano. Qual foi a quantificação nesse caso? Essa menina teve necessidade de
grandes enxertos, primeiro o debridamento das células mortas, aproximadamente
oito anestesias gerais e os pés ficaram comprometidos de tal forma, que
ela não nunca mais poderá andar normalmente. Terá que usar sapato dois números
maior. Conforme o advogado colocou na petição, essas lesões estéticas
impediriam a mocinha de ser manequim ou modelo. Só que pelo seu nível social
– e o juiz disse isso na sentença – o normal seria exercer a função de
caixa de supermercado, enfim, alguma outra posição mais humilde.
Na época, os pais pediram
quinhentos milhões de cruzeiros pelos danos estéticos; uma pensão vitalícia
para a menina correspondente a um salário mínimo a partir dos 14 anos e outra,
para a mãe cuidar da filha, no valor de cinco salários mínimos, pois jamais
poderia exercer outra função laborativa. O juiz determinou verbas separadas
sobre o dano estético e o dano moral. Apesar de o dano estético ser espécie
de dano moral, é uma espécie diferenciada, única. O dano estético é aquele
que se manifesta de fora para dentro. E o dano moral, de dentro para fora.
Intimamente, sinto a humilhação, o constrangimento, a dor, a dúvida, a
incerteza e o desassossego. São sentimentos íntimos da minha personalidade.
Por outro lado, o dano estético tem a ver com a minha relação com as demais
pessoas.
O juiz estabeleceu um salário mínimo
até a menina completar 25 anos, pelo fato de ela ter ficado prejudicada, estar
sempre em tratamento e não poder trabalhar; meio salário mínimo para a mãe,
desde a data do fato até a filha completar 14 anos. O dano estético e dano
moral seriam remetidos à liquidação de sentença. Houve apelação do
hospital e o tribunal manteve essa fixação. No dia cinco de setembro de 2001,
sobreveio um acordo entre o hospital e os pais da vítima, e o estabelecimento
concordou em pagar R$ 200 mil, R$ 100 mil pelo dano estético e R$ 100 mil pelos
danos morais. O hospital se obrigou a assistência médica, psicológica e de
fisioterapia enquanto a paciente necessitar, transporte para tratamento e
internamento em quarto particular, se necessário. Evitou-se que o juiz, nessa
demanda de liquidação, nomeasse agora um perito para averiguar quais foram os
danos estéticos e suas irreparabilidades e fixasse a indenização.
Um outro caso bastante comentado,
que corresponde à decisão do Superior Tribunal de Justiça, de julgar a Unimed
responsável solidária por um determinado erro médico. Foi um parto cesariana
em que foi esquecida gaze no ventre da paciente. Essa gaze apodreceu e foi
retirada juntamente com parte do intestino, que também havia sido perfurado e
acometido por uma infecção. Foi necessário fazer um desvio da massa fecal,
exteriorizar esse tubo digestivo. Moral da história: o advogado pediu um milhão
de dólares por danos morais, talvez influenciado por essas notícias todas
dessas demandas indenizatórias nos Estados Unidos.
O juiz pediu pensão de cinco salários
mínimos e indenização de cem salários mínimos para cobrir o atendimento médico;
duzentos salários mínimos, pelo dano moral; 140 salários mínimos, pelos
danos físicos e 140, pela incapacidade temporária. Somando-se, daria um total
próximo a R$ 90 mil. O Tribunal de Minas Gerais manteve a condenação, e o STJ
também não mexeu nesse valor. O STJ tem entendido que a quantificação do
dano é matéria de Direito. Pode alterar depois apenas se entender exorbitante
ou ínfimo o dano moral arbitrado pelo juiz. Não se pode esquecer que, para que
haja recurso especial, obrigatoriamente, há que se exaurir as instâncias
recursais inferiores até chegar a Brasília.
De modo geral, os Tribunais,
principalmente os Tribunais do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e, às vezes, de
Minas, exacerbam pouco. O Maranhão, por outro lado, tem fixado valores
altamente expressivos, vultuosíssimos em matéria de dano moral.
Outro caso que eu mesmo julguei
foi o da hérnia discal. Foi uma cirurgia de hérnia de disco, a laminectomia,
que foi um êxito, sem problema algum. Só que, no pós-operatório imediato, o
paciente se queixava de dores na ferida cirúrgica. Então o médico, muito bom,
fez um tratamento conservador: antibioticoterapia e fisioterapia. Cerca de 30
dias após a cirurgia e já com onze sessões de fisioterapia e VHS sem alteração,
nosso preclaro médico de Maringá não suspeitou de infecção. Não havia
ciatalgia.
Não suportando as dores da
ferida, o paciente veio para SP e foi operado. No olho clínico, o médico de São
Paulo determinou que era infecção. Abriu e fez artrodese L4 e L5. O rapaz, que
era mecânico de caminhões de corrida, quando voltou à Maringá pediu, à
guisa de danos morais, mil salários mínimos; pensionamento, de US$ 5 mil pela
redução da capacidade laborativa, fora o que ele gastou na cirurgia. Entendi
que houve certo açodamento por parte dele, porque o perito disse que a conduta
do médico foi correta: poderia adotar uma conduta invasiva ou fazer essa
conduta conservadora como antibioticoterapia.
Outra coisa: para fazer essa
artrodese o ortopedista aqui de São Paulo extraiu um pedaço de osso da bacia e
soldou as duas vértebras. Mas, conforme coloquei na sentença, se estava
infeccionado, como poderia colocar um pedaço de osso? Nesse contexto, julguei
improcedente a demanda. Mesmo em relação ao hospital, porque o advogado
demandou em face do hospital, invocando culpa e não responsabilidade objetiva
pela infecção. Nossos tribunais têm sido rigorosíssimos com infecção
hospitalar, excluindo a responsabilidade do hospital apenas se a infecção é
preexistente ou endógena.
Isentei de responsabilidade o
hospital, pois a culpa não ficou provada. Este ano foi julgado o recurso, e a
alçada entendeu que a sentença tem razão: o médico não agiu com imperícia,
imprudência ou negligência. Mas como a infecção existia e não foi
diagnosticada em tempo, 300 salários mínimos por danos morais. A operação não
teve que ser paga, pois não se mostrou necessária. E também não houve imperícia,
imprudência ou negligência do médico. O Paraná, com essa história de
esquecimento de gaze, deu cem salários mínimos – R$ 18 mil – enquanto que
o Tribunal de Justiça Federal deu R$ 400 mil.
Agora, sobre a questão do ônus
da prova, que é ponto fundamental. Primeiro, a questão da perda de uma
oportunidade. Vou dar um exemplo ocorrido na França e, depois, falarei sobre
como vem acontecendo em nossos tribunais. Uma corte francesa foi a primeira a
aplicar de maneira clara a teoria da perda de uma oportunidade, da
responsabilidade médica. Uma pessoa com dores no punho passou por uma
radiografia, mas o médico não observou no exame nada de anormal. Sete anos
mais tarde, ao erguer um peso, o paciente sentiu fortes dores e moveu uma ação
contra o médico.
Examinando as primeiras
radiografias, o perito constatou que o punho estava fraturado, fato não
percebido pelo primeiro médico. Concluiu, porém, pela ausência de nexo de
causalidade entre o erro inicial já consolidado e o prejuízo final. A lesão
haveria de ser atribuída menos ao erro diagnóstico e eventual falta de
tratamento do que ao resultado de um novo acidente. Ou seja, não se tinha
certeza de que, se o médico tivesse visto a fratura, não teria acontecido o
acidente depois do peso que o cidadão acabou levantando. A corte deferiu reparação
parcial ao paciente, com fundamento na perda de uma oportunidade pela não
aplicação da terapia devida, naquela primeira vez.
Aqui no Brasil: em fevereiro de
1993, no Rio Grande do Sul, o médico concedeu alta ao paciente, atendendo aos
insistentes pedidos, apesar do estado febril que não recomendara a liberação.
Comunicado posteriormente do agravamento do quadro, prescreveu sem ver o doente.
O Tribunal de Justiça daquele Estado, através do desembargador Araquém de
Assis, que é mérito-jurista, concluiu: o retardamento dos cuidados, se não
provocou a doença fatal, tirou do paciente razoável oportunidade de
sobreviver. A vítima também contribui na extensão do dano, insistindo na
alta. Mas, ao motivar o julgado, o desembargador afirmou que ele, ao liberar o
paciente e, conseqüentemente, retardar-lhe o ingresso na instituição
hospitalar, fê-lo perder razoável oportunidade de sobreviver. O problema aí
é quantificar.
Outro caso recente julgado em
Curitiba: um cidadão, com fratura exposta do fêmur, deu entrada em um hospital
de Curitiba domingo à tarde, e só foi operado às 18 horas do outro dia. Logo
após a cirurgia, sofreu uma embolia gordurosa e morreu. Na petição inicial, o
advogado alegou, com base em alguma literatura médica, que o retardamento,
nessa situação de fratura exposta de osso grande do corpo, aumenta a
possibilidade de embolia gordurosa. Como o retardamento hospital se fez em função
de pagamento – deixar um cheque de caução, ou coisa parecida – o tribunal
acabou entendendo que essa embolia gordurosa foi uma infelicidade que poderia
acontecer em qualquer cirurgia. Não se comprovou que o retardamento,
efetivamente, tivesse redundado no dano. Outro juiz conhecido na alçada acabou
aplicando a teoria da perda de uma oportunidade, dizendo que o retardamento
comprometeu uma oportunidade de sobrevivência da vitima.
Cargas probatórias
Chega ao Brasil a teoria das
cargas probatórias dinâmicas e é nesse momento que os médicos têm que ficar
meio atentos. E os advogados, principalmente os que advogam para os médicos,
mais ainda. O problema é que o ônus da prova aqui no Brasil é repartido da
seguinte maneira: quem afirma o ato tem a obrigação de provar os fatos
constitutivos do seu direito. Se eu afirmo que o médico é culpado, tenho que
provar a culpa, porque o estatuto que vige no Brasil é da responsabilidade
subjetiva do médico, calcada em imperícia, imprudência ou negligência. A
prova fica a cargo da vítima, que tem que provar a imperícia, a imprudência
ou a negligência do profissional.
Mas agora foi “importada” da
Argentina e da Alemanha – eles têm até uma boa constituição doutrinária
– a teoria sobre cargas probatórias dinâmicas. Em determinado momento, se
tem dúvidas ao julgar, o juiz pode dizer ‘doutor, o senhor que prove a sua não-culpa.
Vamos tornar dinâmico o encargo probatório. Isto é, a carga probatória passa
da vítima para as suas costas. Senão, vou julgar procedente a demanda’. Isso
vem sendo utilizado no Rio Grande do Sul, onde já houve uns três precedentes.
A teoria está sendo utilizada
também no tocante a contratos bancários e até mesmo, na área do seguro. No
contrato bancário, nessa história de discutir contrato vencido, cobrar
encargos exorbitantes, capitalização de juros, juros sobre juros. O
desembargador do Rio Grande do Sul aplica a carga probatória dinâmica e fala
que quem tem melhores condições de provar é o banco. Então, que o banco que
traga a evolução da conta para ser apreciada.
Na questão do ônus da prova e
nessa agudização do estatuto da culpa, considero que estamos querendo ser mais
realistas que o Rei. Na União Européia, em 1994, houve uma proposta de
diretiva, jungindo a responsabilidade do profissional médico, prestador de
serviços na área de saúde, a essa responsabilidade objetiva. Colocaram essa
diretiva para estudo, onde está até hoje. A Associação Médica da
Inglaterra e alguns outros organismos de países da União Européia se
revelaram frontalmente contra isso.
No Brasil, acontece que a aplicação
dessas teorias mais objetivistas, obrigação de meios, obrigação de
resultados, está indo “para o vinagre”, porque o único reflexo prático
dessa dicotomia é o ônus da prova. Na obrigação de meios, do ônus da prova
se incumbe ao autor. Só que não tem como pretender obrigação de resultados.
Os senhores sabem muito bem que os cirurgiões plásticos vêm tentando, a todo
transe, dizer que a cirurgia deles se submete à mesma área das demais.
Quero deixar claro, como alerta e
objeto para estudos por parte dos nossos preclaros médicos e advogados que se
interessam pelo tema, que, a prosperar essas teorias objetivistas, acabará a
obrigação de bens de resultados. Ou seja, o juiz, num determinado momento, vai
tornar dinâmica a atribuição no encargo probatório. Isso é preocupante,
porque no nosso sistema, por determinação legal, a responsabilidade do médico
é subjetiva e vai ter que continuar assim, em função do quadro que
verificamos na saúde pública do Brasil. Não podemos, de um momento para o
outro, com tudo isso que temos aqui no Brasil, dizer: ‘O médico responde’.
Contarei o último caso, para
deixar mais claro. Numa cirurgia de catarata, houve uma hemorragia expulsiva e a
paciente perdeu a visão daquele olho.
O médico pesquisou na literatura e disse
que o problema pode ocorrer num percentual de cirurgias, ninguém pode prever ou
evitar. Aconteceu, aconteceu. Como aplicar um dano moral, por exemplo, nesse
caso, levando-se em consideração que a paciente, de uns setenta e três anos,
já tinha 20% de visão neste olho operado e no outro, já não enxergava nada?
Dano moral seria o caso de alguém que tem visão perfeita? O juiz julgou
improcedente a demanda e o tribunal manteve a decisão.
Comentando comigo, um colega
nosso argumentou que, se o olho da mulher estava bom e ela ficou cega depois da
cirurgia, o médico deve ter ‘aprontado’ alguma coisa. A minha opinião:
cada organismo humano reage de maneira particular. Se nós sempre imputarmos
responsabilidade ao médico, inviabilizaremos até a prática da própria
Medicina. Os juizes, de um modo geral, têm ciência disso e as posições dos
tribunais sobre a matéria são bastante cautelosas.
Perguntas formuladas por
Antonio Carlos Mendes
1) A questão da
responsabilidade civil de médico, hospitais e laboratórios se encarta dentro
daquilo que poderíamos chamar de direitos disponíveis. São questões
patrimoniais, é a indenização entre pessoas capazes, o paciente e o médico.
Pode essa matéria ser objeto de arbitramento extrajudicial com base na Lei de
Arbitragem? (No Brasil hoje há a lei de Arbitragem, que permite que as questões
patrimoniais possam ser discutidas fora do Judiciário).
Na época da sanção dessa lei
de arbitragem, tive notícia de que, aqui em São Paulo, existiria uma Câmara
justamente para arbitrar questões envolvendo a atividade médica. Então, não
vejo problemas, restrições ou qualquer óbice legal à instituição da
arbitragem em relação a essas demandas indenizatórias que envolvem médicos.
Em alguns países, há notícias de hospitais que mantêm um comitê que agiria
como árbitro desses danos. Na Suécia, por exemplo, antes de recorrer ao Judiciário,
verifica-se qual seria a extensão do dano e se, efetivamente, houve culpa médica,
em função da existência de um seguro que o hospital paga, o médico paga e o
próprio paciente paga. Portanto, se ele faria jus ou não àquela indenização
e de quanto seria. É óbvio que, a qualquer momento, o paciente pode recorrer
ao Judiciário. Mas a medida reduziu em 90 % o número de demandas envolvendo a
atividade médica.
2) Também sobre o dano moral,
ou dano material, mas, especialmente o dano moral. A quantificação pecuniária
da reparação patrimonial, quer seja judicial ou extrajudicial, assenta-se em
critérios estritamente subjetivos, isto é, arbitrários? Na hipótese
afirmativa, isso não viola o princípio do Estado de Direito, segundo o qual é
vedado ao Poder Judiciário e também aos árbitros criar critérios de solução
de litígios, sem fundamento direto da lei? (Principio da separação dos
poderes).
Quanto ao subjetivismo exagerado
na fixação do dano moral, é óbvio que o juiz não faz isso, em exercício do
seu arbítrio. É o tal do prudente arbítrio. Há elementos que, de certa
forma, balizam a quantificação do dano moral. Em primeiro lugar, vem a própria
gravidade. O juiz tem dez orientações para fixar o dano moral. Deve verificar,
por exemplo, a situação socioeconômica do ofendido e do ofensor e fixar um
teto prudente. Não pode fixar uma indenização absolutamente desvinculada da
realidade socioeconômica do país em que vive. O dano moral não pode ser uma
forma de enriquecimento, mas não pode ser tão ínfimo que se transforme num
achincalhe, numa espécie de ofensa à pessoa que sofreu. Por isso mesmo,
entendo que o STJ estabelece essa possibilidade de intervir, quando a fixação
se faz de modo arbitrário.
3) Relativo também ao dano
moral e ao dano material, abrangendo efetivamente o dano material, pode o
Conselho Regional de Medicina, no exercício de suas atribuições
fiscalizadoras, arbitrar o dano moral e também o dano material a pedido das
partes, ou fixar unilateralmente, no exercício das suas funções, vinculando
as partes? Qual a força jurídica dessas decisões? Havia aqui um comitê de
arbitragem. Confesso que não estudei mais detidamente essa lei de arbitragem,
porque é o tipo de lei que tem aplicação um tanto quanto restrita, apesar de
brilhantes construções teóricas. Quanto a uma arbitragem coativa compulsória
do CRM, parece-me que não há lei que autorize. Então, a um primeiro ímpeto
de vista, essa eventual arbitragem apenas por iniciativa do CRM não seria
permitida, a menos que se instaurasse de acordo com a lei de arbitragem.
Perguntas da platéia
1) O novo código civil abriga
a teoria do risco. Qual é impacto na avaliação da responsabilidade civil do médico?
Qual o impacto do Código de Defesa do Consumidor, que manda apurar a
responsabilidade civil do profissional mediante culpa?
Recebi o anteprojeto do Código
Civil e dei uma olhada ligeira e não vi qualquer alteração no estatuto da
culpa em relação ao profissional liberal, salvo melhor juízo. Confesso que não
me aprofundei. A minha sugestão lege ferenda era no sentido de se
inserir no Código Civil um capítulo sobre responsabilidade médica, que não
poderia ser tratada em conjunto com as demais formas de responsabilidade, pois há
determinados detalhes específicos da área. Seria uma forma de se deixar clara
a questão do caso fortuito ou da força maior, além da questão da iatrogenia.
Por esse exame rápido que fiz, o
único detalhe que me chamou a atenção foi a redução do lapso prescricional,
que hoje é de vinte anos, para três anos. Menos até que o Código de
Defesa do Consumidor, correspondente a cinco anos, em relação ao hospital. A
teoria do risco é uma exacerbação da responsabilidade objetiva. A teoria do
risco que vige aqui no Brasil, por exemplo, vê no risco administrativo, a
responsabilidade civil do Estado. Se um preposto do Estado causou mal a alguém,
ou um dano advém dos serviços prestados, não se perquire culpa do agente público.
O Estado responde e acabou a história. Só se exime quando provar culpa
exclusiva da vitima ou caso fortuito ou força maior, ou alguma culpa de
terceiro que arrede o nexo causal.
Se o risco for integral, é o
seguinte caso: se alguém está andando na rua e torce o pé, pelo fato de estar
utilizando um logradouro público, uma via pública, uma rua, o Estado tem que
indenizar. Essa é ainda uma exacerbação. Onde está se aplicando a teoria do
risco? Na questão de infecção hospitalar. Se acontecer a infecção dentro do
hospital o indivíduo pode dizer ‘eu estava bom, cheguei lá e sobreveio a
infecção’. Responde, então, o hospital. Há uns dois ou três acórdãos
que já esposaram essa teoria.
2) Há diferenciação entre
estabelecer qual a responsabilidade do hospital, quanto a público ou privado?
Existe um acórdão de um
Tribunal Regional Federal, que diz que o SUS é o sucessor do INAMPS. Então, se
o hospital está credenciado, e de um certo modo, exercendo uma atividade
delegada pelo poder público, responde o Estado, seja a União, Estado ou Município.
Em caso de hospital público, sempre responderá o Estado. Por exemplo, um
hospital ligado à Universidade Federal do Paraná, de Clínicas, responde a União.
E, nesse caso, a demanda em face do hospital deriva do artigo 37, parágrafo
sexto da Constituição, sobre teoria do risco administrativo. Sem sombra de dúvidas,
é exatamente essa a solução na questão dos hospitais públicos. Responde
mesmo o ente público, a pessoa jurídica de direito público interno, que mantém
aquela instituição hospitalar.
3) Nós médicos sempre
defendemos que o exercício da Medicina é uma obrigação de meios,
independente da especialidade. No entanto, um número cada vez maior de exames
laboratoriais é realizado de forma totalmente automatizada. No caso de tais
exames, não se caracterizaria a obrigação de resultados?
De modo geral, laboratório é
obrigação de resultado. Todo o exame, mesmo os radiológicos, como radiologia,
ultra-sonografia, ressonância magnética e tomografia computadorizada, num
primeiro momento se caracteriza na obrigação de resultados. Se houver, por
exemplo, um dano recorrente do resultado errôneo, equivocado, responderá o
laboratório objetivamente.
E é obvio que, sendo o laboratório
a pessoa jurídica prestadora de serviços, responde ao Código de Defesa do
Consumidor. Se houver um dano, como a questão mais comum, que é um resultado
errado sobre um HIV positivo, não há dúvidas: o laboratório responderá. Os
senhores não pensem que essa obrigação de meios se aplica indiscriminadamente
a essas especialidades. É o caso do médico que, no ultra-som, verificou a
existência de um só feto e era gravidez gemelar. Ele deve explicar como
aconteceu.
4) O que o senhor acha sobre o
consentimento informado? No que minimiza a culpa, por resultado insatisfatório,
o fato de esclarecer ao paciente os riscos de insucesso? Isso deve ser
documentado?
Nesse trabalho que eu fiz agora,
abri um capítulo longo sobre consentimento informado. Também foi publicada
recentemente em Coimbra, Portugal, uma tese sobre o tema. Há um problema quanto
ao termo, que gera uma interpretação meio equivocada. Consentimento informado
não é um salvo-conduto para o médico: não é porque ele o obteve que não
vai ser demandado. Não é também, de modo algum, um estímulo para que o
paciente obtenha alguma espécie de indenização.
Primeiro temos que verificar se,
efetivamente, o dano adveio daquela informação mal-prestada. A informação
tem que ser leal, clara, e mais completa possível. Só que acontece, por
exemplo, o seguinte: alguém se submete a uma cirurgia de hérnia inguinal e o médico
não avisa que pode haver uma complicação, que é a atrofia do testículo, ou
até coisa pior, e o paciente se submete à cirurgia e ela advém, nesse caso,
por que o consentimento informado obriga à indenização? Porque, se ele
soubesse do que aconteceria, não teria se submetido à cirurgia?
Qual é o exemplo mais freqüente
dessa história de consentimento informado? Laqueadura tubária. Essa tal de
salpingotrepcia bilateral. No Mato Grosso do Sul, o CRM condenou o médico, e a
Justiça determinou em R$ 180.000,00 a indenização por danos morais, porque
ele não pôde comprovar que efetuou a laqueadura atendendo ao pedido da
paciente. Esse tipo de consentimento informado é uma discussão amplíssima,
que daria tema para um simpósio. Tem que haver uma ligação entre a ausência
da obtenção do consentimento e o dano para que haja a responsabilidade civil.
5) Qual é o entendimento que
Vossa Excelência tem sobre o texto do artigo 15 do novo Código Civil, que
amplia a autonomia do paciente e reduz a autonomia do médico? Será necessária
a produção documental para todos os procedimentos?
Sou adepto da obtenção do
consentimento informado. Mas que ela seja absolutamente compatível com a
natureza do atendimento. Há uma autora americana que relata a história de um
neurologista americano que mandou um rapaz que iria ser submetido a uma
neurocirurgia copiar, a mão, sete páginas de um compêndio médico, para dizer
que estava ciente de todas as possíveis complicações. É evidente o exagero.
Também sobre esses consentimentos excessivamente genéricos, há pacientes que
vão ao hospital se internar e devem ler três laudas. Isso aí vira um contrato
de adesão e, então, temos que tomar cuidado.
A existência pura e simples do
termo do consentimento informado não exculpa. Se o médico agir com imperícia,
imprudência ou negligência, pode ter dez termos de consentimento informado,
que vai responder. Por que é importante? É importante para que o médico
cumpra o Código de Ética que diz ‘esclareça o seu paciente, explique, fale,
obtenha o seu consentimento’.
6) Vossa Excelência defende o
seguro médico de responsabilidade civil. Se for compulsório será um tributo,
e a Constituição veda tributos para uma determinada classe profissional.
Diante disso, Vossa Excelência seria favorável ao seguro para todos os
profissionais? Ou acredita que só o médico deva arcar com tal seguro?
Na minha dissertação de
Mestrado sobre responsabilidade civil do médico abri um pedacinho sobre seguro
médico, tema que ampliei no meu trabalho mais recente, citando até um artigo
da Dra. Regina Parizi sobre seguro, publicado no jornal ‘O Estado de S.
Paulo’ na época em que ela era conselheira do CFM. O artigo desestimulava o médico
a esses seguros médicos. Na opinião pessoal dela, vão ocasionar o surgimento
de um público cativo. Eu não tenho dúvida. Mas acho o seguinte: é meio
irreversível. Tenho conversado com muitos médicos que têm consultórios ou clínicas
movimentadas e eles dizem que contrataram, pois são baratinhos.
Acredito que aqui no Brasil
devemos ter muita cautela quanto ao seguro. Quer me parecer que se houvesse o
estabelecimento do seguro de responsabilidade civil e profissional e médicos
que livremente quisessem contratar um, o ideal seria que uma cooperativa de
serviço médico como a Unimed, por exemplo, a própria AMB e os próprios
Conselhos Regionais estabelecessem um sistema, um mutualismo que funcionasse
como um seguro.
7) Algumas categorias
profissionais como jornalistas e funcionários de companhias aéreas têm teto
para pagamento de danos. O que o senhor pensa a respeito da categoria médica? Nós
somos uma categoria que tem cada vez menos ganhos, pois somos submetidos a convênios,
SUS, etc.
A idéia é boa, de lege
ferenda, a fixação de um teto prudente. Os Estados Unidos estão tentando
estabelecer um teto, pela forma com que disparou o montante dessas indenizações,
pulando de cerca de US$ 250 mil em 1985, para R$ 1.250 milhão, em 1991. Um
projeto visando estabelecer um teto já tramitava no Congresso americano no
governo Clinton. Não vejo inconveniente num teto prudente, já que os nossos
tribunais, de um modo geral, são conservadores. Serviria para evitar essa
disparidade que verificamos hoje: indenizações às vezes pequenas e ínfimas e
indenizações milionárias.