Congresso de Bioética

O II Congresso de Bioética de Ribeirão Preto (Cobirp), realizado entre 29 e 31 de maio, confirmou a vocação da cidade para as discussões sobre os – instigantes – temas inseridos neste universo:  mais de 300 pessoas participaram do evento (leia-se, o dobro registrado na primeira edição, realizada em 2006), entre médicos e outros profissionais de saúde e suas respectivas entidades representativas, além de estudantes e outros interessados no assunto.

Não foi apenas a maior freqüência, contudo, o que diferenciou a 1ª da 2ª  edição do Cobirp: de acordo com o presidente do Congresso, Isac Jorge Filho, conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), além dos assuntos bioéticos tradicionais – por exemplo, o Início e o Final de Vida, bem como, Células-tronco e Clonagem – constaram da pauta outros menos discutidos – mas não menos importantes – como Os Aspectos Bioéticos da Produção e Distribuição de Alimentos e a questão dos Biocombustíveis e sua eventual interferência nas plantações.

Organizado pelo Cremesp e Departamento de Bioética e História da Medicina do Centro Médico de Ribeirão Preto (Regional APM), com apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM); Sociedade Brasileira de Bioética (SBB, Regional São Paulo); Núcleo de Bioética das Faculdades COC, e Sindicato dos  Médicos do Estado de São Paulo (Simesp), o Cobirp teve sua abertura oficial promovida pelo presidente do Cremesp, Henrique Carlos Gonçalves, que destacou seu prazer em participar da organização de um evento que já faz parte do calendário do Cremesp.

“É extremamente dignificante observar médicos e demais cidadãos discutindo questões de ordem bioética, o que denota o compromisso social da Medicina. Trata-se da Ética e da Medicina caminhando juntas”.

Sim, somos mortais 

O padre camiliano Léo Pessini, do Centro Universitário São Camilo, de São Paulo, foi responsável por proferir a palestra de inaugural do Cobirp, Considerações Bioéticas Sobre a Terminalidade da Vida. “Como gostaria de poder anunciar algo como ‘senhores e senhoras, a partir deste momento, todos somos imortais. Mas tal ‘decreto’, infelizmente, ainda não pode ser assinado, pelo menos, se estivermos falando em vida corporal”, enfatizou.

Porém, ainda que a trajetória humana seja finita, sua fase final pode ser prolongada por meio de modernos recursos da Ciência – causa de grandes dilemas. “Seria ético prolongar a vida, em detrimento da qualidade da vida? (...) Em alguns aspectos, penso que certos avanços científicos do último século facilitaram o viver e complicaram o morrer. Acredito que não se deva abreviar a vida enquanto existe esperança, nem prolongá-la, no momento em que a morte bate à porta, e a cura, é só uma miragem”.

Coube a Elcio Bonamigo, conselheiro do CFM por Santa Catarina, e a Reinaldo Ayer de Oliveira, conselheiro do Cremesp e coordenador da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética da entidade, comentarem a exposição de Léo Pessini. Bonamigo trouxe a tona seu descontentamento pelo fato de a resolução 1.805/06 do CFM se encontrar temporariamente sob análise judicial.

Entre outros pontos, a Resolução permite ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. “Os códigos de Ética português, espanhol e italiano trazem opiniões semelhantes”, argumentou Bonamigo.

Reinaldo Ayer foi outro que incluiu a resolução do CFM sobre terminalidade em sua análise. “Foi criada para orientar o médico a respeito de como deve se comportar frente à morte, reforçando que qualquer ação de um indivíduo em relação a outro deve se basear no princípio ético da dignidade humana”.

Alocação de Recursos
O segundo dia de Congresso foi aberto com o tema Alocação de Recursos em Saúde Pública, abordado pelo bioeticista Paulo Fortes, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).

Na opinião de Fortes, escolhas relativas à priorização em saúde – tanto as macro, referentes a políticas de saúde; aquelas em níveis intermediários, adotadas por hospitais, clínicas e instituições; e as micro, vivenciadas por médicos em seu dia a dia profissional – são fundamentalmente éticas, e dependem do valor social dado à cada grupo de pessoas.

“Todos querem ser justos, mas, em nossa sociedade contemporânea, não contamos com a mesma visão a respeito da Justiça. É aí que entra a ética, que tem entre seus objetivos proporcionar um bom e justo convívio social”.

A palestra foi comentada por Reinaldo Ayer e pelo presidente do Simesp, Cid Carvalhaes, que preferiu abordar problemas envolvidos no atendimento, em virtude de má distribuição de recursos.

“Precisamos avaliar que tipo de saúde gostaríamos de oferecer”, lembrou Cid. “Sim, sabemos ser competência do Estado proporcionar a Universalidade, Equidade e Integralidade de atendimento, como determina o SUS. Mas também deveríamos avaliar qual é a responsabilidade da iniciativa privada”, provocou.

Mesa-redonda: As Responsabilidades Éticas na Alimentação Humana

Um dos assuntos que causou maior curiosidade do Cobirp voltou-se à Ética na Alimentação, agregado recentemente ao âmbito da Bioética – a exemplo do que ocorreu com outros, como a Ética nos Negócios.

Como conta Isac Jorge Filho, a idéia surgiu na Câmara Técnica de Nutrologia do Cremesp. “O professor Dutra de Oliveira – um dos mais renomados especialistas da área e participante do grupo – defende ser essencial divulgar quais são os alimentos que realmente nutrem”.

Para atender a essa demanda, inseriram-se no encontro questões relativas aos Alimentos que Alimentam. A Responsabilidade da Indústria e da Mídia, palestra ministrada pelo próprio Isac Jorge Filho – que elencou, entre tais responsabilidades éticas, as presentes nas etapas de produção, divulgação, comercialização e transporte de alimentos – ; Alimentação e Modismo, focalizada por Ieda T. Verreschi, conselheira do Cremesp e professora da Unifesp, que, além de uma retrospectiva histórica referente ao “alimentar-se”, apontou para determinadas “esquisitices” em forma de dietas, como por exemplo, as baseadas apenas em frutas, sopas e até “clandestinas, secretas e/ou mágicas”.

Compuseram a mesa redonda ainda outros experts, como Paulo Candelária, médico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, versando sobre A Obesidade como Problema de Saúde Pública; o nutrólogo Valter Makoto Nakagawa, da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), Medicamentos e Maleficência; José Eduardo Dutra de Oliveira, A Polêmica dos Transgênicos;  e Jairo M. Balbo, agrônomo especializado em açúcar e etanol, falando sobre Biocombustíveis e Alimentos: Conflitos Reais.

Temas de hoje, temas de sempre
Seguindo a lógica proposta pela organização do evento, além destas “novidades”, assuntos recorrentes em reflexões bioéticas marcaram presença no Cobirp.

Entre eles, merecem destaque Consentimento Livre e Esclarecido, promovido pelo conselheiro do CFM Élcio Bonamigo; A Bioética e o Direito, pelo procurador de justiça Sérgio Roxo da Fonseca; Universidade, Bioética e Espiritualidade, Virgínio Cândido T. de Souza.

José Marques Filho, conselheiro do Cremesp, partiu para outra vertente de reflexão, trazendo dados – surpreendentes – obtidos em sua dissertação de mestrado em Bioética, referente à Cassação do Exercício Profissional. Entre outras conclusões, salienta que, ao contrário do que muitos supõem, o artigo 29  do Código de Ética Médica (Negligência, Imprudência e Imperícia) não é o mais lembrado para a aplicação da pena mais grave contra o médico, “já que as cassações ocorrem por faltas eminentemente éticas, e não por falta de informações técnicas ou científicas”, destacou.“Isso só reforça a importância do cuidar da formação ética e Bioética em nossa carreira”. 

 Algumas frases dos palestrantes

“A Medicina tem um grande poder de interferir na vida humana, mas chega o momento trágico do encontro com os limites humanos.(...) O fim da morte corporal, infelizmente, é um ‘decreto’ que ainda não pode ser assinado”. Léo Pessini, durante palestra Considerações Bioética sobre a Terminalidade da Vida

“Médicos e gestores, todos querem ser justos quanto à priorização de recursos em saúde. Só que, em nossa sociedade contemporânea, não temos a mesma visão do que é ser ‘justo’”. Paulo Fortes, durante palestra Alocação de Recursos em Saúde

“É antiético que os meios de comunicação divulguem e façam propaganda de alimentos ou outras substâncias que prejudiquem a saúde”. Isac Jorge Filho, organizador do Congresso, durante Mesa Redonda As Responsabilidades Éticas na Alimentação

“A relação médico/paciente se estrutura na confidencialidade, mas em uma confidencialidade ética. É importante dizer que existe uma confidencialidade não-ética”, Reinaldo Ayer de Oliveira, durante mesa-redonda A Bioética e o Direito

Carta de Ribeirão

Durante a realização do II Cobirp, foi deliberado que do encontro seria tirado documento intitulado Carta de Ribeirão Preto, do qual constariam reflexões e proposições expressadas pela plenária. A intenção é encaminhar a carta a instituições de ensino, pesquisa e acompanhamento dos temas bioéticos. Confira a íntegra, a seguir:

CARTA DE RIBEIRÃO PRETO

O II Congresso de Bioética de Ribeirão Preto (Cobirp) teve espaço na cidade entre os dias 29 e 31 de maio de 2008, sob a organização do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e o do Departamento de Bioética e História da Medicina do Centro Médico de Ribeirão Preto (Regional APM), e apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM), Sociedade Brasileira de Bioética (SBB/Regional São Paulo), Núcleo de Bioética das Faculdades COC, e Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (Simesp).

Na ocasião aconteceram palestras e debates que tiveram como foco diversos temas relativos ao universo bioético, com a participação de especialistas, profissionais e estudantes, provenientes de carreiras essenciais das áreas da Saúde e do Conhecimento.
Como resultado das discussões, entre outras, foram tiradas do encontro as seguintes sugestões:

- Ortotanásia – Com relação a Terminalidade da Vida, o Congresso indicou a necessidade da inserção do tema na proposta da reforma do Código de Ética Médica.

- Consentimento livre e esclarecido – A cada dia é mais valorizado, no Brasil e no mundo, o respeito à Autonomia do paciente e seu direito a informações quanto à sua doença e as condutas a serem adotadas no tratamento indicado. Assim, o Consentimento Livre e Esclarecido pode ser visto como um dos instrumentos possíveis de serem empregados para estruturar uma boa – e transparente – comunicação entre o profissional e seu atendido.
Contudo os presentes ao Congresso reafirmam a maior importância do critério de confiança mútua para a construção da relação médico/paciente, sem, necessariamente, demandar um documento formal a ser assinado pelo segundo.
Lembremo-nos de que o prontuário médico continua a configurar-se no local mais apropriado para as anotações sobre o atendimento prestado; as opções em exames e tratamentos, bem como, a concordância ou não de o doente em submeter-se a eles.

- Alocação de Recursos – O assunto em questão envolve Princípios e Teorias de Justiça. Na opinião dos presentes ao evento, a sociedade deve participar das discussões e decisões sobre priorização dos recursos. Para subsidiar decisões judiciais, em caso de destinação de recursos, recomenda-se a realização de avaliação técnica por especialistas conceituados.
Sugere-se ainda a viabilização do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre Ministério Público, médicos e hospitais.

- Nutroética – Dentro deste campo observa-se que, às vezes, rótulos de alimentos industrializados não oferecem a quantidade suficiente de informações. Isso ocorre, por exemplo, quanto à sua composição, presença de alergenos etc.
Também ficou claro que determinados “modismos” têm influência nos hábitos alimentares, induzindo a inadequações como emagrecimento despropositado e alimentação rápida.
Outro ponto levantado: Um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo, a obesidade, como doença que é, necessita de tratamento médico, em parceria com os demais membros de uma equipe multiprofissional.
Assim, ações em educação e divulgação em relação ao que significa uma boa alimentação devem ser implementadas.
Para evitar informações equivocadas ao público em geral quanto à nutrição tornam-se necessárias atitudes orientadoras aos meios de comunicação, bem como, ações fiscalizadoras sobre empresas que oferecem poções “milagrosas” e alimentos sem qualquer compromisso nutricional.

- Sobre a questão dos alimentos transgênicos – foi apresentada no Congresso posição em defesa de sua liberação em benefício da coletividade, sempre com base em estritos e cuidadosos critérios técnicos para avaliação de suas conseqüências futuras à saúde das pessoas e ao equilíbrio ambiental.
Porém, como assunto novo que é, a questão dos transgênicos deve continuar na pauta de discussão, e os argumentos contrários à produção e liberação de tais produtos merecem atenção e análise.

- Etanol – Por fim, os participantes do Cobirp concluíram que a produção dos biocombustíveis pode até ser benéfica em nível macro ao país, mas não pode – e nem deve – prejudicar a produção de alimentos.


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