22-06-2005

Paulo Fortes

Patients and access to drugs in developing countries: an ethical analysis. (Os pacientes e o acesso a drogas em países em desenviolvimento: uma análise ética) 

Autor: S. Sterckx

Revista: Developing World Bioethics 2004; 4(1): 58-75

Abstract:
More than a third of the world's population has no access to essential drugs. More than half of this group of people live in the poorest regions of Africa and Asia. Several factors determine the accessibility of drugs in developing countries. Hardly any medicines for tropical diseases are being developed, but even existing drugs are often, not available to the patients who need them.

One of the important determinants of access to drugs is the working of the patent system. This paper first maps out some facts about the global patent regime that has emerged as a consequence of the conclusion of the WTO-TRIPs Agreement in 1994. Attempts to construct a moral justification of the patent system have been based on three grounds: natural rights, distributive justice, and utilitarian arguments. This paper examines to what extent and on which grounds drug patents can be justified. The final section looks at the so called ‘Doha Declaration on the TRIPs Agreement and Public Health', which was adopted by the WTO Ministerial Conference two years ago, recognising the primacy of public health over the interests of patent proprietors.

(Comentado por: Paulo Antônio de Carvalho Fortes, Professor da Faculdade de Saúde Pública USP

Resumo/comentário:

O artigo traz uma reflexão ética sobre o patenteamento de medicamentos e suas conseqüências sobre a saúde de países em desenvolvimento. Apresenta, inicialmente, justificativas ou contraposições éticas baseadas nas orientações dos direitos naturais, do utilitarismo e a noção de justiça distributiva. 

A noção de direitos naturais justificaria que o patenteamento seja justo porque o homem tem um direito natural às suas idéias, e isso resulta que o Estado e a sociedade carregam um dever de proteger o direito, independentemente das conseqüências de suas aplicações. Assim, o interesse individual teria precedência sobre as necessidades coletivas. O autor realça que a teoria de direitos naturais deve muito ao pensamento do médico e filósofo inglês John Locke, que defendeu o direito do homem à propriedade, considerada justa em virtude de seu trabalho.

Porém, argumenta, no caso das patentes de medicamentos, se poderia questionar sobre o quanto de trabalho estaria envolvido na pesquisa e no desenvolvimento das drogas?

Afirma que a maior parte dos medicamentos lançados no mercado seria resultante de pequenas alterações de drogas já conhecidas e comercializadas. Sendo assim, o desenvolvimento das novas drogas não deveria ser entendido como fruto de intenso trabalho laboral. Lembra ainda, que Locke considerava que o homem tinha direito à propriedade daquilo que precisasse utilizar, não de coisas supérfluas, e que não deveria haver desperdício no apropriado, o que, a seu ver, não se coaduna com a política de patentes para a indústria farmacêutica.

Sterckx cita argumentos que, de acordo com o princípio de justiça distributiva, consideram justo que os inventores fossem recompensados por prestarem serviços à sociedade. Por isso dever-se-ia requerer o patenteamento das invenções, protegendo seus direitos. Entretanto, rebate essas afirmações, pois considera que o patenteamento poderia estar dificultando o igual acesso aos medicamentos a todos, o que contrariaria o princípio da justiça distributiva.

Outrossim, afirma que haveria outras formas de recompensa além da econômica. Recorda que, mesmo nos EUA, a maior parte dos recursos despendidos em pesquisas para gerar novos conhecimentos científicos na área farmacêutica provém de recursos públicos, portanto não seria justo que somente as empresas farmacêuticas fossem as exclusivas beneficiárias dos resultados obtidos pelas pesquisas.

O artigo discute a justificativa utilitarista que defende serem as patentes incentivos para a invenção e a inovação. Que, sem elas, em razão de concorrência, não haveria a necessária confiança da indústria para o investimento em pesquisas. Utilitaristas ainda afirmam que as patentes também são incentivos para que os inventores revelem suas invenções, e assim a informação tecnológica é disseminada à sociedade.

Como contra-argumento, o autor expressa que as patentes, dando exclusividade do produto ao detentor, possibilitariam que os preços fossem mantidos artificialmente acima de patamares desejados pelos consumidores dos países em desenvolvimento. As conseqüências do patenteamento dificultariam a aplicação do princípio da utilidade social que afirma serem as ações eticamente corretas quando tendem a promover a maior soma de prazer (felicidade, bem-estar) de todos aqueles cujos interesses estão em jogo.

Sterckx entende que as obrigações resultantes dos acordos internacionais sobre as patentes de medicamentos trouxeram fortes dificuldades aos países em desenvolvimento para que pudessem isentar do patenteamento alguns setores vitais para a saúde pública. Lembra, a esse respeito, que de 1223 substâncias desenvolvidas, de 1975 a 1996, pela indústria farmacêutica, menos de 1% era destinada a doenças tropicais, aliás, havendo maior investimento em drogas contra a calvície.

Argumenta, ainda, que os fortes dispositivos legais de patenteamento não conduziram e nem conduzirão a uma maior transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.

Finalmente, em busca de um equilíbrio entre direitos e obrigações dos diversos interessados, o artigo discorre sobre itens da Declaração de Doha/Quatar, em 2001, patrocinada pela World Trade Organization Ministerial Conference, cuja decisão estendeu o período de transição com respeito à introdução de patentes para 2016 nos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, reconhecendo como exceção os medicamentos de importância para a saúde pública, voltados ao combate do HIV/AIDS, tuberculose, malaria e outras situações de emergência nacional.

Conclui, entendendo que a maior discussão sobre a Declaração poderia atenuar os efeitos indesejados do patenteamento sobre os países em desenvolvimento.

Comentário: patentes são propriedades intelectuais, certificadas por organismos oficiais, implicando em novidade e invenção, que conferem direitos de propriedade e uso exclusivo na produção – um direito de monopólio temporário – de idéias novas e úteis.O patenteamento tornou-se um dos temas polêmicos abraçados pela reflexão bioética desde os anos 90, em virtude das conseqüências sobre o acesso aos medicamentos em países e populações vivendo em situação econômica mais desfavorável e, principalmente, pelas crescentes possibilidades do patenteamento de material genético humano.

O patenteamento é requerido, principalmente, pelos países industrializados, para a proteção econômica de sua indústria farmacêutica. Esta afirma que a inexistência de patentes lhe provoca prejuízos consideráveis, pois suas fórmulas são copiadas e os produtos são vendidos por menor preço, afirmações que não encontram adequado respaldo científico, conforme Marques (2000).

Cabe ser aqui lembrado que, a partir de 1994, as regras internacionais ampliaram os padrões de proteção da propriedade intelectual, resultando em maiores restrições para os países em desenvolvimento. No Brasil, em 1996, foi promulgada a lei 9.279 que atendeu, segundo diversos comentadores pátrios, sobretudo os interesses da indústria farmacêutica multinacional, restabelecendo o direito de patenteamento de medicamentos no país.

A indústria farmacêutica afirma ser necessária a garantia de patenteamento, em virtude da continuidade das pesquisas na área e de seu custo. Todavia, é de se realçar, que os custos da pesquisa, mesmo que em grandes cifras – US 33 bilhões, em 2003 –, são relativamente modestos se comparados com os provenientes do consumo, conforme os dados da Pharmaceutical Research and Manufacturers of América (PRMA).

Cabe a reflexão bioética sobre ser o setor farmacêutico, um dos campos econômicos mais rentáveis na atualidade, mas que não tem se dedicado a pesquisar drogas necessárias para doenças prevalentes nas camadas sociais mais desfavorecidas, como as doenças tropicais – chagas, malária, esquistossomose. Isto, talvez, seja devido ao fato que 72% do mercado de medicamentos esteja concentrado nos Estados Unidos da América, enquanto a América Latina e Caribe compõem 2.4% do mercado de consumo e a África fica com apenas 0.3%, conforme dados da PRMA, para 2003.

Assim, concordes com o autor, entendemos que cabe discutir eticamente se as patentes enquanto mecanismos de proteção dos direitos de propriedade industrial podem – e devem – ser aplicadas a medicamentos e vacinas, vitais à saúde das pessoas, de igual maneira a outros produtos industrializados, não essenciais ao ser humano. É razoável se aceitar o constante na Declaração de Doha, de 2001, de que não se possa minimizar os efeitos do patenteamento sobre a saúde pública, principalmente a dos países em condições de maior vulnerabilidade econômica que se encontrariam impedidos de minimizar as desigualdades sociais existentes relativas ao acesso aos medicamentos.)

Bibliografia:

(www.wto.org, acessado em 1 de setembro de 2004)

Marques MB. Patentes farmacêuticas e acessibilidade aos medicamentos no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. 2000.VII (1): 7-21.

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