03-04-2008

Marco Segre

A obediência à forma, ao rito, é um meio para se manterem as pessoas agregadas, coesas. Enquanto elas se preocupam em seguir à risca o preceito, que impõe determinadas práticas, ou proíbe outras. O temor da infração é o sentimento dominante.

Pode-se inclusive sentir prazer nesse temor, mas, esse prazer nada tem que ver com a ligação afetiva com o próximo, e exclui categoricamente toda percepção de transcendência.

A sensação de dever cumprido, após o término dos rituais, é gratificante: como em qualquer outra compulsão, a realização do ato ritualístico alivia temporariamente a angústia.

Creio que essa vinculação à forma, com a exclusão de afetos como a solidariedade a alteridade (Levinas), ou a “com-paixão”, bem como a inveja , o ódio, o desamparo, tem efeito (e o objetivo) “robotizante”. O bom e o ruim são “postos sob o tapete”.

Dir-se-à que forma e essência “andam juntas”, e que é muito mais difícil, sem essa união, enfrentar o embate com os nossos sentimentos, como a dúvida, a ambivalência, e o medo: e eu concordo com essa postura. Mas, pergunto, é isto que se deseja, despersonalizando o “sujeito”, e, tal como com uma droga, anestesiando-o contra as inalienáveis experiências vivenciais?

A forma é como um uniforme, através do qual as pessoas se unem e se identificam umas com as outras. Mas não deixa de ser um disfarce com relação às incanceláveis diferenças entre as pessoas.

A forma invade a alimentação, a seqüência das preces, o descanso obrigatório, o vestir-se,o lavar-se,o corte de cabelo,e muitos outros hábitos cotidianos, tornando a vida uma maratona recheada de deveres, e retirando todo o espaço para uma autonomia do ser humano.

E a religião, leva ela à transcendência, à ligação afetiva, à compreensão, à solidariedade? Tenho fortes dúvidas.

A imposição de uma religião, ainda que os “ensinamentos impostos” possam favorecer o convívio social harmônico, caminha sempre no sentido “de fora para dentro” com relação ao ser humano, podendo, no máximo, ajudar a desenvolver características que são do próprio ser humano. Religião vem de “re-ligare”, tendo, como sua etimologia denuncia, o objetivo precípuo de re–aproximar os cotos de um vínculo rôto.

Vínculo com quem? Com Deus?

Prefiro o termo “religiosidade”, que tem mais que ver com sensibilidade e transcendência, que, também crença, admite mesmo a possibilidade da inexistência de Deus.

E para que podem ter servido essas reflexões?

Para deixar bem claro que, a meu, ver os cultos e as religiões, pior se ritualísticas, sempre dividiram os homens, muito mais do que os uniram , tendo-se derivado, através dos tempos, muitas vezes, para a subjugação e a dominação do ser humano.

MARCO SEGRE

Professor Emérito da FMUSP


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